
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
MEDICINA
A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
VOLUME DE MERCADO, RENTABILIDADE E RISCOS DA ÁREA
Postado em 24 de março de 2015
RESUMO
O número de indústrias multinacionais e seu faturamento. Faturamento da indústria farmacêutica multinacional no Brasil. O alto grau de concentração do mercado de medicamentos. Rentabilidade de medicamentos. Algumas características da indústria farmacêutica nos Estados Unidos da América. Fatores de risco da indústria farmacêutica. Preços dos medicamentos e suas consequências. A situação de políticas de preços no Brasil.
NÚMERO E FATURAMENTO DAS INDÚSTRIAS
Em 2004 existiam, no mundo, em torno de 120 indústrias farmacêuticas multinacionais. Elas detinham perto de 90% do mercado mundial de medicamentos e 25 mega-empresas desse total de 120, controlavam quase 60% do total do mercado mundial. Uma delas, a gigante Smith Kline Beecham já tinha planos para ocupar 10% desse mercado a partir do ano de 2000. Essas cifras indicam um alto grau de concentração desse mercado.
Nos Estados Unidos da América, em 1990, existiam perto de 1.000 indústrias farmacêuticas e 750 delas produziam medicamentos sujeitos à prescrição médica. Do ponto de vista de estrutura de mercado, a indústria farmacêutica norte americana, a exemplo da indústria multinacional, também exibia um grau de concentração muito grande. As 20 maiores empresas, detinham 75% do mercado, norte americano de medicamentos.
Em 1990 o faturamento anual mundial da indústria farmacêutica multinacional era da ordem de US$ 200 bilhões de dólares. No ano de 2000 o faturamento mundial era uma cifra astronômica de US$ 300 bilhões de dólares. No 2002 o faturamento mundial já era de US$ 350 bilhões de dólares, e a estimativa para o ano de 2004 era de US$ 370 bilhões de dólares.
Os Estados Unidos da América é o país que mais produz e consome medicamentos do mundo. Em 1991, a indústria farmacêutica norte americana faturava cerca de 60 bilhões de dólares, que é o dobro do Japão, que faturava perto de 30 bilhões de dólares e 6 vezes mais que o Brasil que faturava perto de 11 bilhões de dólares e quase 10 vezes mais que o Reino Unido, que faturava apenas 6 bilhões de dólares. Tratava-se de uma indústria que, nesta época, empregava perto de pessoas e, apesar de ser considerada pequena, quando comparada com outras áreas, podia ser encarada como muito importante devido ao emprego de alta tecnologia.
No Brasil, em 1972, perto de 70 empresas farmacêuticas multinacionais eram responsáveis por cerca de 84% do total de volume de vendas de medicamentos. No ano de 2000, cerca de 70 indústrias multinacionais eram responsáveis pelo faturamento de mais ou menos 80% do mercado nacional de medicamentos. Esse percentual equivalia a US$ 11 bilhões de dólares ou R$ 26 bilhões de reais por ano. Essa cifra, ainda que impressionante, representava apenas 5% do faturamento anual, mundial, da indústria farmacêutica multinacional. Esse montante colocava o Brasil, em 2000, em 4º lugar no “ranking” mundial do consumo de medicamentos. O consumo per capita por ano, no Brasil, era apenas de US$ 50 dólares, o que é considerado muito pouco quando comparado com o consumo, per capita, nos países desenvolvidos. No Japão esse consumo pode chegar a US$ 150 dólares e atinge US$ 350 dólares, nos Estados Unidos da América.
No Brasil, as multinacionais que mais se destacaram, em 1999, em função de sua receita anual bruta, cotada em milhões de US$ dólares, foram as seguintes: Novartis; Roche; Aché; Aventis; Bristol Meyer-Squibb; Lilly e Glaxo Wellcome. A indústria que mais se destacou, nesse grupo, foi a Roche que, com um faturamento de US$ 505 milhões de dólares, registrou um crescimento próximo de 30% sobre a receita de 1998. Com esse aumento sua participação, no mercado nacional, foi ampliada de 5,4% para 6,2% o que é considerado bastante expressivo em um mercado competitivo e em um ano difícil. Consta que os medicamentos responsáveis por esse sucesso foram o Xenical® para tratamento de obesidade e o Viracept®, usado para o combate a aids e que era vendido, diretamente, para o governo brasileiro.
PREÇO, LUCRATIVIDADE E RISCOS
Os preços dos medicamentos são considerados altos em todos os países do mundo. De um modo geral a indústria farmacêutica multinacional tenta explicar e justificar esses preços altos a partir dos seguintes argumentos: um elevado custo operacional, da ordem de 40% do faturamento; um alto investimento em pesquisa, que é da ordem de 15% a 20% do faturamento; custos altos em promoção, que são da ordem de 20% e também um custo alto de controle de qualidade que atinge 5% do faturamento. Além desses fatores previsíveis menciona-se outros menos previsíveis tais como: concorrência de medicamentos genéricos, similares e manipulados; a possibilidade de impostos crescentes, que no Brasil atingem patamares muito altos; a inflação e ao oscilação de preços da matéria prima, em função da flutuação da moeda, considerando que os negócios são realizados com um grande número de países, bastante diferentes entre si. Retorno lento e problemático: sabe-se que, de cada dez produtos lançados no mercado, apenas três a quatro tem um desempenho de vendas capaz de produzir o retorno do capital investidor em prazos razoáveis. Usualmente esse retorno ocorre ao longo de alguns anos após o lançamento, geralmente, perto de 15 anos após início do investimento. Somente esses fatores já seriam suficientes para qualquer economista definir a indústria farmacêutica com uma atividade de alto risco.
Ocorre que, além dos fatores enumerados, deve-se levar em conta ainda outros acontecimentos menos previsíveis que os anteriores. Alguns desses fatores a serem considerados, que podem acontecer ao longo dos 10 a 15 anos em que se processa a pesquisa, ou após o lançamento do produto, referem-se aos seguintes aspectos: as possíveis reformas de políticas da saúde e da assistência, em um determinado país e que podem repercutir no mercado; a quebra de patentes; a emergência de um mercado agressivo de produtos genéricos, similares e manipulados; mudanças de tendências terapêuticas; retirada de produtos do mercado devido à ocorrência de efeitos colaterais inusitados e graves durante a fase de farmacovigilância, após a comercialização do produto. Um bom exemplo da ocorrência desse último fator foi a retirada do produto Vioxx® do mercado, em 2004. A própria empresa Merck Sharp Dohme retirou o produto ao constatar que o mesmo aumentava o risco de acidentes cardiovasculares com o uso prolongado. O medicamento tinha sido lançado em 1999, era comercializado em 80 países e gerava para a empresa um faturamento anual de US$ 2,5 bilhões de dólares. As ações da empresa despencaram aproximadamente, 30% de seu valor, no dia do anúncio da retirada da droga. Apesar do produto ter sido retirado do mercado pela própria empresa, em 2005 havia cerca de 4.000 processos em andamento contra a Merck, somente nos Estados Unidos da América. Em um desses processos a empresa foi condenada a pagar 235 milhões de dólares para a viúva de um paciente falecido. A sentença atribuiu negligência à Merck por não ter informado a população, acerca dos riscos da mistura do Vioxx® com outros medicamentos. Em 2001 a indústria Bayer retirou do mercado o produto lerivastatina (Lipobay®), associado a alguns óbitos, nos Estados Unidos da América. Quando se considera esses inúmeros fatores, que podem influir diretamente ou indiretamente na equação “investimento-retorno”, a atividade de produzir medicamentos é encarada, pelos economistas, como muito complexa, inconstante, incerta, e de muito alto risco.
Um exemplo do possível impacto dos genéricos na renda da indústria multinacional foi noticiado nos periódicos “Finantial Times” e “Forbes”, em abril de 2004. Segundo essas publicações, a indústria Akzo Nobel teve seus lucros reduzidos de 176 milhões de euros para 133 milhões de euros, no primeiro trimestre de 2004. Segundo os informantes da própria indústria, essa redução de lucros deveu-se, principalmente, ao lançamento e a forte concorrência de medicamentos genéricos e similares do antidepressivo mirtazapina (Remeron®), que era o carro chefe de seu faturamento.
O PROCESSO DECISÓRIO DE UM LANÇAMENTO
Assim, o processo decisório acerca de investimentos e da política financeira, dentro da indústria farmacêutica, é bastante diferente daquele empregado em empreendimentos comerciais convencionais. No caso de uma empresa imobiliária pensar em construir um prédio, o analista financeiro tenta predizer os resultados do projeto total, baseado em mudanças isoladas, de um número reduzido de variáveis particulares bem definidas e que ocorrem, geralmente, à curto prazo e em período de tempo limitado. No caso da indústria farmacêutica torna-se necessário o emprego de métodos muito sofisticados de análise, que lidam com um leque muito grande de possibilidades e de acontecimentos que ocorrem a longo prazo e também, com um grande conjunto de acontecimentos possíveis, mas pouco previsíveis. Alguns desses métodos de análise tentam predizer resultados baseados em mudanças simultâneas de numerosas variáveis. É o caso do Sistema Monte Carlo, que foi utilizado pela Indústria Merck. Entretanto, os indicadores fornecidos por essas técnicas sofisticadas apenas apontam certas tendências em termos de probabilidade e não de certeza. Em última análise, essas são as razões principais dos motivos pelos quais os órgãos estatais e as universidades não podem correr esses riscos e, por consequência, não podem desenvolver medicamentos originais. A esse respeito convem lembrar sempre que apenas 5% dos medicamentos existentes no mundo foram desenvolvidos por universidades e por órgãos estatais.
RENTABILIDADE E PREÇOS
Mesmo considerando esse conjunto de fatores parece que a rentabilidade da indústria farmacêutica é considerada muito boa. Nos Estados Unidos da América, enquanto a indústria em geral tem uma rentabilidade média de 4,6% por cento, a rentabilidade média das dez maiores indústrias farmacêuticas americanas alcança a cifra de 15,5%. No caso da indústria farmacêutica nacional os lucros parecem ser menores. Segundo o senhor Carlos Fernando Gross, presidente do Laboratório Gross S.A., o lucro final de uma indústria farmacêutica nacional é da ordem de 10% do faturamento total.
Essa grande rentabilidade, de uma maneira geral, ocorre em função da industrialização de um número relativamente pequeno de remédios. No caso da indústria Pfizer, quando possuía em torno de 36 medicamentos no mercado, somente 8 produtos respondiam por 80% de seu faturamento. Entre esses encontrava o Zoloft® e o Viagra®. A empresa Merck Sharp & Dohme, quando faturava em torno de US$ 47 bilhões anuais, contava com 5 produtos que garantiam 65% de seu faturamento. Entre eles encontrava o Renitec®, o Cozaar®, Mevacor®, o Singulair® e o Vioxx®.
Quando se fala em rentabilidade um outro aspecto que deve ser considerado é o preço médio dos medicamentos em um determinado país. No caso particular do Brasil o preço médio dos medicamentos é baixo, ainda que os órgãos governamentais e a imprensa afirmem o contrário. O Brasil é um dos 5 países que tem o preço de medicamentos mais baixo do mundo, junto com Chile, Colômbia, Coréia do Sul e Nova Zelândia. Esta é uma conclusão da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrabam) decorrente de um estudo realizado em 2002, em um levantamento de preços de 200 medicamentos mais vendidos, em 30 paises desenvolvidos e subdesenvolvidos. O consumidor brasileiro paga metade do preço médio dos paises pesquisados. O consumidor norte americano paga o dobro da média de outros paises.
Esse preço baixo de medicamentos é mantido, no Brasil, desde o ano de 2000, pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão subordinado ao Ministério da Saúde (MS). Consta que o CMED estipula o preço dos medicamentos a partir de um levantamento de preços em nove mercados internacionais: Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia e Portugal. O teto do preço de um medicamento, no Brasil, sempre deve estar abaixo do menor preço praticado em qualquer um desses países. Não são conhecidas as razões desses critérios da CMED.
O preço baixo dos medicamentos pode ser considerado, a curto prazo, um benefício para uma população com renda baixa. Entretanto, a estratégia de congelamento de preços nunca mostrou-se eficiente, em nenhum outro país, para combater as políticas de monopólio das indústrias multinacionais. Além disso as políticas de congelamento de preços podem ter outras consequências que devem ser levadas em conta: no ano de 2000 o Brasil era considerado o 4º mercado mundial de medicamentos, com um faturamento de US$ 11 bilhões de dólares. Em 2002 o faturamento caiu para US$ 6 bilhões de dólares e, em 2003 para US$ 5 bilhões, colocando o Brasil em 14º lugar de faturamento no mercado mundial. Com essa redução no faturamento as indústrias farmacêuticas multinacionais redirecionaram seus investimentos para paises onde obtem mais lucro. Em 1999 as multinacionais tinham investido, no Brasil, cerca de US$ 260 milhões de dólares. Não se conhece o investimento realizado em 2004.
Em nossa exposição procuramos descrever alguns aspectos econômicos e mercadológicos das indústrias farmacêuticas multinacionais bem como algumas pecularidades do mercado nacional de medicamentos. Ao final desse texto estamos chamando atenção para os seguintes fatos existentes no Brasil: um controle muito severo de preços que caracteriza um verdadeiro congelamento; impostos muito elevados, próximos de 30% que destoam dos 10% praticados nos Estados Unidos e de total inexistência de impostos, no México; a ameaça da possibilidade de quebra de patentes, inaugurada no governo Getúlio Vargas, reforçada pelos governos militares e com um recrudecimento no final do governo Fernando Henrique Cardoso. O conjunto desses fatores, somados à política de juros em níveis estratosféricos, bem como o custo muito alto de mão de obra torna o Brasil um país muito pouco atraente para investimentos internacionais na área de medicamentos.
FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:
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Buchalla, A.P. A era dos super-remédios. Veja, Editora Abril, Ed. 1757, 26 de junho de 2002.
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Cowen, D. & Helfand, W. H. Pharmacy. Harry N. Abrams Inc. Publishers, NY, USA, 1990.
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Gerez, J.C. Indústria Farmacêutica: Histórico, Mercado e Competição. Ciência Hoje, 15(89): 21-30, abr/ 1993
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Healy, David. The Antidepressant Era. Harvard University Press, USA, 2000.
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Landmann, Jayme. Evitando a Saúde e Promovendo a Doença. Editora Guanabara Dois S.A., Rio de Janeiro, 1986.
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Paprocki, J. O faz de conta da chamada Lei dos Medicamentos Genéricos. Jornal Mineiro de Psiquiatria, B. Horizonte – MG, Ano IV, Nº 12, março de 2000.
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Paprocki, J. A indústria farmacêutica multinacional. Jornal Mineiro de Psiquiatria, B. Horizonte – MG, Ano IV, Nº 15, abril de 2001.
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Tachinardi, Maria Helena. A Guerra das Patentes. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1993.
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