
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
MEDICINA
A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
RELAÇÃO ENTRE SAÚDE E MEDICAMENTOS
Postado em 09 de janeiro de 2015
Jorge Paprocki
Psiquiatra pela ABP / AMB / CFM
Membro Emérito da Academia Mineira de Medicina
Membro Fundador da Associação Brasileira de Psiquiatria
Durante muitas décadas a indústria farmacêutica tem adotado estratégias de propaganda no sentido de valorizar o papel dos medicamentos na promoção da saúde. A finalidade dessa estratégia é bastante obvia: vender mais medicamentos, com preços mais elevados, para obter lucros maiores. Estas são as metas de toda empresa, em uma economia capitalista globalizada.
Concomitantemente, alguns políticos e governantes, de muitos países em desenvolvimento, também procuraram incutir na sociedade a noção de que a maior parte das doenças pode ser prevenida e curada com remédios e, portanto, que a saúde da população seria consequência direta de uma grande disponibilidade de medicamentos com preços baixos.
Estabelecida essa filosofia, esses políticos e governantes passam a lutar, efetivamente, ou fingir que lutam para conseguir uma redução no preço dos medicamentos, no sentido de propiciar um acesso mais fácil aos mesmos, por parte de uma população desprovida de recursos econômicos. Essa luta por preços mais baixos e por melhor acesso a medicamentos, frequentemente, tem o intuito de convencer a população de que eles, políticos e governantes, estão atentos e, genuinamente, interessados nas condições de saúde de seus concidadãos.
Por outro lado, todo sanitarista, epidemiologista e médico em geral sabem, ou deveriam saber, que os medicamentos têm um papel muito limitado na promoção da saúde. Tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, não existe relação direta entre os gastos com medicamentos e os índices de mortalidade infantil, morbidade e mortalidade em geral e, consequentemente, com a expectativa de vida da população. Segundo um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 1985, para satisfazer 95% das necessidades de tratamento das enfermidades conhecidas seriam suficientes, 262 substâncias ativas, sob a forma de 379 apresentações. Caso se desejasse satisfazer 99% das necessidades médicas seriam suficientes, 350 ativos, sob a forma de 500 apresentações ou produtos comerciais. Segundo esse organismo, a circulação de um número excessivamente elevado de medicamentos não acarreta, necessariamente, uma melhoria da saúde dos habitantes de um país. Ao contrário, o excesso desses produtos provoca confusão em todos os níveis das áreas farmacêutica, médica e governamental. No Brasil, o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) 2000, listava 6.000 produtos, com 9.000 apresentações. A mesma publicação dos anos 2003/2004 registrava a existência de perto de 7.000 produtos com cerca de 10.000 apresentações. Em 2004 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) informava que havia perto de 13.000 produtos similares registrados.
Lembramos que, segundo a finalidade com que são ministrados, os medicamentos podem ser classificados nas seguintes categorias:
a) Medicamentos curativos, capazes de curar, definitivamente, uma pessoa com alguma doença, após o medicamento ser administrado em dose adequada, durante um tempo determinado. Como exemplos, cita-se os quimioterápicos, os antibióticos, os antiprotozoários e o s antiparasitários.
b) Medicamentos profiláticos, capazes de prevenir algumas enfermidades e que são as vacinas e também, em circunstâncias especiais, alguns quimioterápicos e antibióticos.
c) Medicamentos paliativos, que apenas normalizam as funções do organismo durante o período em que são administrados. Como exemplo pode-se mencionar os hormônios em geral, os diuréticos, os anti-inflamatórios, os anti-hipertensivos e alguns psicofármacos como os antidepressivos e os antipsicóticos.
d) Medicamentos sintomáticos, que suprimem ou atenuam um sintoma ou um grupo de sintomas decorrentes de diversas enfermidades. São exemplos desses medicamentos os antitérmicos, os antitussígenos, os antidiarreicos, os anti-histamínicos e, entre psicofármacos, os ansiolíticos e os soníferos.
e) Os placebos, que constituem uma parcela considerável dos medicamentos industrializados, comercializados e consumidos. São remanescentes de uma época em que se conhecia muito pouco acerca de fisiologia, fisiopatologia e farmacologia e constituem os medicamentos naturais, fitoterápicos e outros empregados nas chamadas medicinas alternativas. Ainda são muito populares nas camadas mais desinformadas da população.
Apenas uma pequena parcela dos produtos farmacêuticos existentes no mercado, representada por vacinas, medicamentos paliativos e curativos é que pode ser considerada, realmente, como importante para a promoção da saúde. A grande maioria dos medicamentos comercializados, constituída por produtos sintomáticos e placebos não promovem a saúde ainda que, eventualmente, possam diminuir o sofrimento e, frequentemente, são usados e abusados, sem necessidade. São os que mais oneram a população com gastos inúteis e são os mais lucrativos, principalmente, para as pequenas indústrias farmacêuticas, que produzem a grande maioria dos produtos chamados remédios populares e aqueles empregados nas chamadas medicinas alternativas.
Atualmente acredita-se que saúde é consequência de instrução, boa alimentação e moradia, vestuário e saneamento básico em outras palavras: comida, casa, roupa, água tratada e esgoto, acompanhados de planos inteligentes de vacinação.
Doenças como dengue, cólera, esquistossomose, malária e leishmaniose, são evitáveis desde que se cortem os focos de transmissão onde proliferam os vírus, bactérias, insetos e ratos. Da mesma maneira ocorre com lepra, tuberculose e doenças sexualmente transmissíveis, inclusive a AIDS, desde que se implantem medidas de instrução e informação adequada no que se refere às estratégias preventivas e profiláticas. Um grande número de doenças pode ser evitado desde que essas medidas sejam implementadas com seriedade e que sejam entendidas e seguidas por uma população alfabetizada, adequadamente informada e com renda mínima digna.
A adoção e implementação dessas medidas não têm relação alguma com a indústria farmacêutica e o preço de medicamentos. Tem relação com a renda per capita, com a instrução da população, com políticas inteligentes de saúde, com a destinação adequada e inteligente dos recursos e com ausência de corrupção por parte dos órgãos responsáveis pela distribuição desses recursos.
A simples disponibilização de medicamentos, para uma população incapaz de entender o sentido e o alcance dos tratamentos, não pode ser considerada uma estratégia eficaz e inteligente de assistência médica. “No caso de sociedades de nível social, econômico e cultural baixo, não é suficiente, apenas, disponibilizar os recursos terapêuticos. Esse tipo de população, geralmente, não compreende o significado e o alcance dos tratamentos disponibilizados e, por isso mesmo, frequentemente, não adere aos mesmos”.
FONTES CONSULTADAS:
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Dicionário de Especialidades Farmacêuticas DEF 2001. Editora de Publicações Científicas Ltda. Rio de Janeiro (RJ), 2001
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Dicionário de Especialidades Farmacêuticas DEF 2003.Editora de Publicações Científicas Ltda. Rio de Janeiro (RJ), 2003
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Paprocki. J. A indústria farmacêutica multinacional. Jornal Mineiro de Psiquiatria, B. Horizonte (MG), Ano 5; n°15; abril/2001
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Paprocki, J. Drogas, fármacos, medicamentos e remédios e suas classificações. Jornal Mineiro de Psiquiatria, B. Horizonte (MG), Ano 6; n°17; maio/2002
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Cowen, David L. & Helenfond, William H. Pharmacy, an illustrated history. Harry N. Abrams Inc. Publishers, New York, 1990
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Lyons, A.S. & Petrucelli, R.J. História da medicina. Editora Manolo Ltda, São Paulo, SP, 1997
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