
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
MEDICINA
A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
REGULAMENTAÇÕES DA INDUSTRIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS
Postado em 13 de abril de 2015
RESUMO
No presente capítulo estão enumeradas, em ordem cronológica, as principais leis e decretos que regulamentaram a industrialização e comercialização de medicamentos, no Brasil, a partir dos meados do século XX. A característica marcante da maioria dessas medidas era a de combater o monopólio das indústrias multinacionais com estratégias como a quebra de patentes e de congelamento de preços que, no passado, já tinham se mostrado pouco eficientes em outros países.
ENUMERAÇÃO DAS LEIS E DE DECRETOS
No final da primeira metade do século XX, a legislação acerca de medicamentos e indústria farmacêutica era regulada por dois decretos:
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Decreto 7.903 de 27 de agosto de 1945 – Governo do Presidente Getúlio Vargas: abolia o patenteamento de produtos farmacêuticos no Brasil e impunha uma taxação muito alta para os produtos manufaturados importados.
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Decreto 20.397 de 14 de janeiro de 1946 – Governo do Presidente Gaspar Dutra: que continha 126 artigos, ocupava 6 páginas do Diário Oficial da União (DOU) e tratava de maneira detalhada dos seguintes tópicos: indústria farmacêutica em geral, dos laboratórios industriais farmacêuticos, dos laboratórios de produtos biológicos, das especialidades farmacêuticas, dos produtos oficinais, antissépticos, desinfetantes, de produtos de higiene e toucador e das disposições gerais. Na época, o ministério que se ocupava desses assuntos era o Ministério da Educação e Saúde através do Departamento Nacional de Saúde e do Serviço Nacional de Saúde.
A partir dessa data, seguiram-se dois decretos de menor importância que, a rigor, limitavam-se a modificar alguns parágrafos do decreto anterior:
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Decreto 27.763 de 08 de fevereiro de 1950 - Governo Presidente Gaspar Dutra: que modificava o artigo de número 61 do decreto anterior, o qual tratava acerca da permissão da importação, a granel, de especialidades farmacêuticas estrangeiras, para serem reembaladas em laboratórios nacionais, quando os fabricantes estrangeiros não dispusessem de filial em território nacional.
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Decreto 33.932 de 28 de setembro de 1953 - Governo Presidente Getúlio Vargas: que modificava os artigos de números 55 e 70 do decreto 20.397, de 14 de janeiro de 1946.
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Decreto 43.702 de 09 de maio 1958 - Governo Presidente Juscelino Kubitschek: tratava, pela primeira vez, de produtos similares. Ele alterava os artigos de números 63,68,78,92,113,114,124 do decreto 20.397 de 14 de janeiro de 1946 e, em seu artigo 63 e parágrafo primeiro, rezava: “que fica assegurado aos laboratórios nacionais o prazo de um ano para requererem licenciamento de produtos similares a qualquer outro medicamento, que já tenha sido licenciado como especialidade farmacêutica, por apresentar novidade ou aplicação terapêutica vantajosa”.
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Decreto 57.395 de 07 de dezembro de 1965 - Governo Presidente Castelo Branco: trata-se de um decreto muito amplo, com 8 capítulos e 80 artigos, que definia normas técnicas especiais para o controle da fabricação e venda de produtos de higiene, perfumes, cosméticos e congêneres.
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Decreto 61.649 de 09 de agosto de 1967 - Governo Presidente Costa e Silva: com cinco capítulos e 43 artigos o qual definia normas técnicas especiais para a fabricação e venda de produtos dietéticos.
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Decreto 1005 de 1969 – Governo da Junta Militar: acabava, completamente, com o patenteamento de remédios e com a proteção dos processos de fabricação. Estabelecia, também, que todas as patentes existentes de produtos farmacêuticos expirariam em 1984.
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Decreto 67.112 de 26 de agosto de 1970 - Governo Presidente Emílio G. Médici: com cinco capítulos e 91 artigos o qual aprovava normas técnicas especiais para o controle de fabricação e a venda de produtos saneantes e congêneres.
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Lei 5.772 de 21 de dezembro de 1971 - Governo Presidente Emílio G.Médici: codificava a legislação quanto à propriedade industrial e eliminava os direitos de patentes para os produtos farmacêuticos no que se refere a substâncias, compostos, matérias-primas e processos de fabricação.
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Decreto 71.625 de 29 de dezembro 1972 – Governo Presidente Emílio G. Médici: que reforçava, com ênfase, o artigo 63 parágrafo primeiro, do decreto 43.702, de 9 de maio de 1958, referente ao licenciamento de produtos similares. A redação do artigo apresentava-se da seguinte forma: “fica assegurado aos laboratórios nacionais o direito de requererem licenciamento de produtos similares a qualquer outro, que tenha sido licenciado como especialidade farmacêutica, por apresentar novidade ou aplicação terapêutica vantajosa”.
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Lei 6.360 de 23 de setembro de 1976 - Governo Presidente Ernesto Geisel: trazia um esboço da regulamentação da vigilância sanitária.
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Decreto 79.094 de 05 de janeiro de 1977 - Governo Presidente Ernesto Geisel: regulamentava a lei anterior (6.360) e submetia ao Sistema de Vigilância Sanitária os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos, produtos de higiene, saneantes e outros. Esse decreto era muito abrangente, com 26 capítulos e 168 artigos. A seguir mencionamos alguns artigos que nos parecem particularmente relevantes:
Artigo 14 – parágrafo 10 – a concessão do registro, e demais atos a ele pertinentes, inclusive a suspensão e cancelamento do registro de produtos, é de atribuição privativa do diretor do Órgão de Vigilância Sanitária competente, do Ministério da Saúde.
Artigo 19 – para concessão do registro de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, as informações contidas nos respectivos relatórios deverão ser reconhecidas como, cientificamente, válidas pelo órgão competente do Ministério da Saúde.
Artigo 138 – todo estabelecimento destinado à produção de medicamentos é obrigado a manter um departamento técnico de inspeção da produção, que funcione de forma autônoma em sua esfera de competência, com a finalidade de verificar a qualidade das matérias primas ou substâncias, vigiar os aspectos qualitativos das operações de fabricação, a estabilidade dos medicamentos produzidos e realizar os demais testes necessários.
Artigo 149 – a ação fiscalizadora é de competência: do Órgão de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde e do órgão competente de saúde dos estados, do Distrito Federal e dos territórios.
Artigo 171 – este regulamento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, em especial os Decretos 20.397, de 1946; 27.763, de 1950; 33.932, de 1953; 43.702, de 1958; 57.395, de 1965; 61.149, de 1967; 67.112, de 1970; 71.625, de 1972.
A Lei 6.360 e o decreto 79.094, promulgados em 1976 e 1977, revogam todos os decretos anteriores e, a partir daí, durante um período de 16 anos, os mesmos regularam tudo o que concerne à indústria farmacêutica, medicamentos e vigilância sanitária no Brasil.
Esta última lei e o decreto que a regulamentava, foram promulgados pelo presidente Geisel, na vigência de um governo militar nacionalista, em uma época em que não se reconheciam patentes para produtos farmacêuticos, no Brasil, desde 1945 e não se reconheciam patentes de processos de fabricação de fármacos, desde 1969.
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Projeto de Lei 2.022 / 91 – Governo Fernando Collor de Melo: este projeto de lei foi apresentado pelo Deputado Eduardo Jorge, do Partido dos Trabalhadores (PT), de São Paulo, e continha um esboço da futura Lei dos Genéricos. Na época, o mesmo foi arquivado.
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Decreto 793/93 – Governo Presidente Itamar Franco: Este decreto continha as seguintes instruções principais: a obrigatoriedade da indústria farmacêutica de colocar, na embalagem, com destaque, o nome genérico do medicamento, além do nome de marca, ou nome comercial; obrigatoriedade das farmácias de aviarem somente as receitas que contivessem a denominação genérica do medicamento prescrito; obrigatoriedade da presença de um farmacêutico responsável, em todas as farmácias; permissão para que o farmacêutico trocasse a prescrição do médico por medicamentos similares, de menor preço; obrigatoriedade do Ministério da Saúde de manter rigoroso controle de qualidade sobre os medicamentos.
Este decreto representava uma tentativa bem intencionada, de regulamentação da industrialização e da comercialização de medicamentos no Brasil e que permaneceu em vigor até 1999, ainda que seu cumprimento fosse inviabilizado por medidas jurídicas, patrocinadas por algumas indústrias farmacêuticas multinacionais.
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Lei 9.279 de 14 de maio de 1996 – Governo Fernando Henrique Cardoso: que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial ou Lei de Reconhecimento de Patentes.
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Medida Provisória 9.782 de 26 de janeiro 1999 - Governo Fernando Henrique Cardoso: Criava a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), cuja finalidade, em sentido amplo, seria a de cuidar de tudo que se referia à produção, comercialização, registro e controle de medicamentos e seus insumos no Brasil. Em um sentido mais específico, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) teria, como finalidade principal, fazer cumprir a Lei dos Genéricos. As justificativas oficiais para a Medida Provisória que instituia a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) seriam as preocupações do governo com o registro, produção e fiscalização de produtos farmacêuticos e a distribuição crescente de medicamentos adulterados e falsificados, principalmente, após a promulgação da Lei das Patentes, em maio de 1996.
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Lei 9.787/99 de 10 de fevereiro de 1999 – Governo Fernando Henrique Cardoso: estabelecia a existência de medicamentos genéricos; dispunha sobre a utilização dos nomes genéricos em produtos farmacêuticos; permitia a troca dos medicamentos originais, prescritos pelo médico, por medicamentos genéricos, pelo farmacêutico vendedor e estabelecia as regras da vigilância sanitária. Essa lei teria, como objetivo principal, propiciar a industrialização de medicamentos genéricos iguais aos originais, porém mais baratos e portanto, mais acessíveis à população, em consonância com as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de alguns países da Europa, Estados Unidos da América e Canadá.
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Decreto 3.181 de 23 de setembro de 1999 – Governo Fernando Henrique Cardoso: que revogou o Decreto 793 de 1993 e regulamentou a Lei 9.787, de 10 de fevereiro de 1999.
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Medida Provisória 2.093 de 24 de dezembro 2000 – Governo Fernando Henrique Cardoso: alterou dispositivos das Leis 9.787, que definia o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. A presente medida continha 14 artigos e um anexo, com o quadro de funções comissionadas e um segundo anexo, com as taxas de fiscalização sanitária.
COMENTÁRIOS
As primeiras medidas de desrespeito à Convenção de Paris, de 1883 ocorreram no Brasil, ao final da Segunda Guerra Mundial, nos governos dos presidentes Getúlio Vargas e E. Gaspar Dutra, em 1945. As duas leis eram ingênuas, inócuas e inoportunas já que foram promulgadas em uma época em que algumas indústrias européias que haviam imigrado para o Brasil, antes e durante a segunda guerra mundial, estavam voltando para seus países de origem.
O decreto 43.702 do presidente Juscelino Kubitschek, em 1958, oficializou os medicamentos similares o que inaugurou e institucionalizou a clonagem de medicamentos de baixa qualidade no país.
Os decretos promulgados por presidentes sucessivos do período militar, a partir do ano de 1965 estavam impregnados de uma filosofia de grandes preocupações com a segurança nacional. Os presidentes militares desejavam tornar o Brasil independente das importações de remédios e do monopólio das indústrias farmacêuticas multinacionais e acreditavam, genuinamente, que esse monopólio ameaçava a segurança do país. As sucessvas leis e decretos reforçavam a filosofia da clonagem e da pirataria e contribuíram para impedir o progresso técnico da indústria farmacêutica nacional e de sua capacitação para o desenvolvimento de insumos.
O decreto 973, do presidente Itamar Franco, foi uma tentativa, bem intencionada e ingênua, de regulamentar e incentivar a comercialização dos produtos similares, clonados e que favoreceu uma industrialização e comercialização selvagem de produtos de baixa qualidade por um longo período de 6 anos.
A chamada lei dos genéricos, promulgada em 1999 no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso é bastante semelhante às existentes na Alemanha, Canadá, Dinamarca e Estados Unidos da América. Nesses países, a partir da década de setenta, o medicamento inovador ou de marca tinha a exclusividade de comercialização garantida pelo período de 17 a 20 anos, de acordo com a duração da patente. Durante esse período a indústria inovadora detinha o monopólio de sua comercialização. Após expirar o período da patente outras indústrias podiam produzir e vender o mesmo medicamento, com um nome genérico, com uma considerável redução de seu preço. Essa estratégia mostrou-se eficaz para diminuir o monopólio da indústria farmacêutica multinacional nos países onde foi aplicada. Esse esclarecimento torna-se indispensável já que o tema dos genéricos, frequentemente, é apresentado ou discutido entre nós, como se a Lei dos Genéricos fosse uma invenção muito original do Ministério da Saúde do Governo Fernando H. Cardoso e não como algo que já existia, em outros países, desde a década de 1960.
FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:
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Paprocki, J. O faz de conta da chamada Lei dos Genéricos. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, Ano III, Nº 11, 1999
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Paprocki, J. O faz de conta da chamada Lei dos Medicamentos Genéricos. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, Ano IV, Nº 12, março de 2000
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Paprocki, J. A indústria farmacêutica multinacional. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, Ano IV, Nº 15, abril de 2001
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Paprocki, J. Drogas, fármacos, medicamentos, remédios e suas classificações. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, Ano VI , Nº 17, maio de 2002
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Tachinardi, Maria Helena. A Guerra das Patentes. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro – RJ, 1993
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