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MEDICINA

A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL

 

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA: ORIGENS E CLASSIFICAÇÕES

Postado em 19 de fevereiro de 2015

 

 

 

RESUMO


Nascimento da indústria farmacêutica. Classificação em função dos estágios em que atua: pesquisa e desenvolvimento, (P & D), industrialização, formulação, comercialização e marketing. Tipos de indústrias farmacêuticas existentes no Brasil: multinacionais, nacionais privadas, nacionais governamentais ou estatais, e farmácias magistrais ou de manipulação. Classificação em empresas não éticas e éticas em função da produção de medicamentos populares e aqueles que exigem prescrição médica assim como em função do direcionamento da propaganda.


A ORIGEM DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Existe um certo consenso no sentido de atribuir o ocaso das farmácias magistrais e o nascimento das indústrias farmacêuticas aos seguintes fatores: a identificação e isolamento de alcaloides e glicosídeos existentes nas plantas, a identificação de princípios ativos responsáveis pelos efeitos terapêuticos e o nascimento da química orgânica, que permitiu a síntese de substâncias existentes e não existentes na natureza.


O isolamento e a descoberta das propriedades farmacológicas dos alcalóides e dos glicosídeos, existentes em alguns vegetais, ocorreu a partir do início do século XIX. A lista dessas substâncias, incluía a atropina (Atropa belladona), cocaína (Eythroxilon coca), fisostigmina (Phisostigima venenosum), quinina (Cinchona succirubra), morfina (Papaver somniferum). Esses fármacos eram mais potentes e eficazes que os extratos retirados das plantas e o seu emprego contribuíu para o nascimento de uma fundamentação científica da terapêutica com medicamentos. A sua descoberta foi responsável pelo surgimento da noção de princípio ativo e contribuiu para o fim da “doutrina ou teoria das assinaturas” a qual postulava que as propriedades terapêuticas dos vegetais deviam-se à sua forma, cor, sabor e cheiro. Esses novos produtos foram responsáveis pela adoção de novos hábitos de prescrição, por parte de médicos e por novos hábitos na composição de medicamentos, por parte dos farmacêuticos. Todas essas substâncias exigiam laboratórios complexos para seu isolamento a partir das plantas e a produção, em grande escala, exigia instalações especiais que as farmácias de manipulações da época não possuíam. Verificou-se, rapidamente, que algumas grandes indústrias, existentes, ligadas à produção de corantes, poderiam isolar e produzir medicamentos com maior economia, pureza e uniformidade que as farmácias de manipulação. Essa constatação era válida, também, para a produção de medicamentos galênicos. Um catálogo da empresa norte americana Searle, em 1880, listava 400 extratos fluídos, 150 elixires, 100 xaropes e 25 tinturas. Uma outra função assumida pela nascente indústria farmacêutica foi a de financiar a pesquisa de substâncias novas inclusive de origem vegetal. Nesta época, a empresa Parke Davis anunciava 48 novos extratos de plantas, que foram coletadas por seus agentes de campo.


O outro fato que desempenhou um papel muito importante para o despontar da indústria farmacêutica foi o nascimento da química orgânica, a partir de 1860, cujos conhecimentos permitiram a síntese de substâncias novas, não existentes na natureza. A síntese e produção dessas substâncias, em grande escala, somente era viável em laboratórios sofisticados de grandes empresas, como os já existentes nas indústrias de corantes.


Todos esses acontecimentos ocorreram, paulatinamente, ao longo de muitas décadas. Pode-se considerar, entretanto, que o verdadeiro nascimento da indústria farmacêutica, tal como ela se apresenta nos dias de hoje, teve início no final do século XIX e início do século XX. Em 1889, durante a exposição do Centenário da Revolução Francesa, em Paris, os laboratórios de pesquisa de algumas indústrias que produziam corantes para o setor têxtil, como a Ciba (Suíça) e a Bayer (Alemanha) apresentaram os seus primeiros medicamentos, através de suas divisões farmacêuticas. Um desses medicamentos, o ácido acetilsalicílico, a Aspirina® da Bayer, viria a ser o mais bem sucedido produto farmacêutico de todos os tempos.
 


CLASSIFICAÇÕES DAS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS

Em muitos artigos, publicações e pronunciamentos, em nosso meio, o termo “indústria farmacêutica” tem sido usado de maneira vaga e, frequentemente, leva a mal-entendidos. Torna-se cada vez mais necessário esclarecer acerca de qual “indústria farmacêutica” estamos falando para evitar esses mal-entendidos e interpretações errôneas.


No Brasil, em 2008, podemos classificar as indústrias farmacêuticas existentes em função dos seguintes enfoques:


a)    Em função de estágio tecnológico e operacional em que a indústria se encontra. Sob este aspecto podemos distinguir quatro níveis ou estágios: pesquisa e desenvolvimento (P & D), industrialização, formulação, comercialização e marketing;


b)   Em função de sua estrutura econômica e administrativa, sua abrangência geográfica e seus vínculos com o estado. Sob esses aspectos pode-se distinguir indústrias multinacionais e as nacionais. As nacionais podem ser privadas e estatais.


c)    Em função da produção de medicamentos que exigem ou não prescrição médica e de direcionamento de sua propaganda. Sob este ângulo é possível distinguir as chamadas empresas éticas e não éticas.
 

Os estágios tecnológicos do primeiro grupo tem as seguintes características:


O primeiro estágio tecnológico é o da pesquisa e desenvolvimento (P & D) de novos fármacos, obtidos por diferentes vias, como extração e síntese química a qual pode ser conduzida ao acaso, por triagem empírica, por modificações moleculares ou por sínteses planejadas. Nas etapas seguintes, que é realizada em animais de laboratório, procura-se identificar a sua potencialidade terapêutica assim como sua toxicidade aguda e crônica; o estudo de doses eficazes e dos possíveis efeitos teratogênicos segue-se a realização de ensaios clínicos, em seres humanos, com suas fases I, II, III e IV, cada uma com características próprias. Trata-se do estágio mais importante, que pode resultar na invenção ou descoberta de fármacos novos que podem dar origem a insumos que são transformados em medicamentos originais, inéditos ou de marca. Este estágio é privilégio de grandes empresas multinacionais e de alguns institutos de pesquisa universitários e governamentais.


No segundo estágio realiza-se a industrialização. O fármaco que, na fase anterior, estava limitado a pequenas quantidades, suficientes apenas para atender a demanda de testes em laboratório e de pesquisas pré-clínicas, passa a ser produzido em escala industrial, em grandes quantidades, com o intuito de ser comercializado para abastecer grandes mercados. Este procedimento é realizado por grandes multinacionais e por fabricantes de insumos de porte médio radicados em países que não aderiram à legislação internacional de patentes. No último caso a qualidade desses insumos pode ser duvidosa em função de um controle de qualidade precário.


No terceiro estágio, que é chamado de formulação, o fármaco adquire a forma final de remédio ou medicamento que chegará ao consumidor. Essa fase consiste no tratamento físico dos fármacos através de trituração, mistura, dissolução e compactação, sem que sejam modificadas suas características químicas. O resultado pode ter forma variada como cápsulas, comprimidos, ampolas, supositórios, xaropes, pomadas e cremes. Apesar da tecnologia dessa fase ser considerada de baixa complexidade, ela exige um rigoroso controle de qualidade para evitar contaminaçções e para assegurar uma grande uniformidade do produto. Esse estágio termina com a embalagem cuja confecção, igualmente, exige uma tecnologia apurada. Trata-se de procedimentos comuns a todas indústrias grandes e pequenas, multinacionais e nacionais.


O quarto estágio é o de comercialização e marketing. Esse estágio envolve estratégias complexas de distribuição, abastecimento e controle de preços, próprios da comercialização de qualquer produto em uma sociedade de consumo. Esses procedimentos são acrescidos de alguns cuidados relativos à segurança por tratar-se de produtos muito atrativos para falsificações. No que tange à propaganda, aquela que é dirigida para a classe médica tem características bem diferentes daquela que é dirigida diretamente ao farmacêutico vendedor e ao consumidor. Trata-se de uma propaganda muito cara e que, frequentemente, consome o dobro de recursos que são destinados à pesquisa de medicamentos novos. Este estágio é comum a todas as indústrias, sendo executado, frequentemente, por empresas distribuidoras e de propaganda terceirizadas.


No Brasil, em 2005 existia um número muito reduzido de empresas multinacionais ou nacionais que operavam na primeira fase, isto é, de pesquisa e de química fina para obtenção de fármacos novos. Uma exceção eram estatais que trabalham com vacinas, soros e remédios antiaids como a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Instituto Butantã. A grande maioria das indústrias multinacionais operava, excepcional e raramente, no segundo e, com maoir frequência, somente no terceiro e quarto estágios. A quase totalidade das indústrias nacionais operava apenas nos dois últimos estágios, isto é, formulação e comercialização a partir de insumos importados de indústrias estrangeiras produtoras de insumos.


Em função de uma estrutura econômica e administrativa, sua abrangência geográfica e seus vínculos com o estado, às indústrias farmacêuticas distinguem-se como segue:


a) Indústria farmacêutica multinacional, transnacional ou internacional: no ano de 2004 estava constituída por cerca de 70 grandes empresas internacionais que eram responsáveis por, aproximadamente, 70% do mercado brasileiro de medicamentos. Essas empresas eram representadas pela Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica (ABIFARMA) e pela Associação da Indústria Farmacêutica do Brasil (INTERFARMA), que defendiam os interesses de seus associados. Uma característica importante das empresas multinacionais é que elas operam em muitos países e seu capital, também, costuma ser de variadas nacionalidades. Trata-se de empresas que são filiais ou subsidiárias de grandes corporações transnacionais. São detentoras de tecnologia avançada, obtida através de elevados investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P & D), nos seus países de origem. De uma maneira geral as empresas multinacionais são as que produzem os medicamentos originais, ou inovadores, ou de marca já que somente elas têm recursos para investir em pesquisa. A partir da década de 1980, em muitos países desenvolvidos, um número cada vez maior de empresas multinacionais dedica-se também à produção de medicamentos genéricos, à medida que expiram as patentes de seus produtos originais.  


b) Indústria farmacêutica nacional, local ou doméstica: constituída por perto de 400 pequenas e médias empresas nacionais, que eram responsáveis por, aproximadamente, 18% do mercado. Em 2004, estimava-se que este mercado estava constituído por 9% de genéricos e por 9% de similares. Essas empresas eram representadas pela Associação de Laboratórios Nacionais (ALANAC). As indústrias farmacêuticas nacionais, geralmente, operam apenas no país onde a indústria está sediada e seu capital é constituído, habitualmente, por acionistas desse mesmo país.  As empresas nacionais são as que, na sua maior parte, produzem medicamentos similares e os genéricos e não investem em pesquisa e desenvolvimento. De uma maneira geral, essas empresas adquirem insumos ou matérias-primas de produtores asiáticos ou europeus e, ultimamente, canadenses. Essas empresas podem ser de porte médio, que atuam nos estágios de formulação e comercialização de insumos adquiridos em outros países. Podem ser de pequeno porte e que industrializam apenas produtos populares, que não exigem prescrição médica assim como os medicamentos fitoterápicos e aqueles que fazem parte das chamadas medicinas alternativas.


c) Farmácias magistrais ou de manipulação: são remanescentes da era pré-industrial. Ocupam um papel pouco importante nos países desenvolvidos e industrializados. Entretanto, em alguns paises em desenvolvimento e em conexão com a prática de alguns tipos de medicina, como a chinesa e a indiana ainda tem papel, relativamente, importante. No Brasil, as farmácias de manipulação ou magistrais desempenham um papel cada vez mais importante dentro do processo produtivo de medicamentos. Dentro desse enfoque, esses estabelecimentos possuem características de micro indústrias que manufaturam os medicamentos, ainda que de forma artesanal, ao contrário das farmácias convencionais que apenas comercializam os medicamentos produzidos por indústrias farmacêuticas. Durante o último Congresso Nacional de Farmácias Magistrais, realizado em outubro de 2004, houve a divulgação de que se trata de um setor empresarial bastante importante, com uma oferta de cerca de 60.000 empregos diretos e perto de 235.000 empregos indiretos. Em 1999 havia cerca de 3.100 farmácias de manipulação no Brasil. Em 2004 existiam 5.356 estabelecimentos o que representa perto de 10% do total das farmácias convencionais existentes no páis, que são em torno de 55.000. Este contingente de micro-indústrias era responsável por um faturamento anual de R$ 1 bilhão e 300 milhões de reais, que representa perto de 10% do faturamento global de medicamentos no país. No início do século XX, esses estabelecimentos dedicavam-se, principalmente, a manipulação e a venda de remédios populares, produtos fitoterápicos, homeopáticos e cosméticos. Atualmente, em 2015, também manipulam produtos complexos como antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos e anticonvulsivantes. Algumas das pecularidades desse tipo de industrialização artesanal e rudimentar serão tratados, de maneira mais detalhada, no capítulo relativo a indústria farmacêutica nacional.


d) Indústria farmacêutica governamental ou estatal: As indústrias estatais, usualmente, operam apenas no país onde estão sediadas, e seu acionista principal ou único é o governo desse país. Os laboratórios estatais produzem alguns medicamentos simples e funcionam como uma retaguarda do governo para tentar suprir as populações carentes. Excepcionalmente realizam pesquisa, como é o caso do Instituto Butantã e a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). No Brasil, em 2005 havia cerca de 15 laboratórios, ligados a órgãos governamentais e que, se funcionassem com sua capacidade total, seriam capazes de abastecer cerca de 5% do mercado nacional. Esses laboratórios oficiais congregam-se na Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (ALFOB), que os representa. De uma maneira geral essas instituições funcionavam com 50% de sua capacidade devido à exiguidade crônica dos recursos governamentais nesse setor.


Uma última classificação, anacrônica, mas ainda em uso em algumas áreas, divide as indústrias farmacêuticas em “empresas não éticas” que fabricam produtos exclusivamente populares, de venda livre, com a promoção de seus produtos realizada junto ao farmacêutico vendedor e ao público em geral e, de outro lado, “as empresas éticas”, que fabricam produtos que exigem prescrição médica e promovem esses produtos apenas junto à classe médica. Essa distinção, atualmente, não é importante, já que o problema de ética envolve uma multiplicidade de aspectos que ultrapassam o simples ato de divulgar os seus produtos apenas junto à classe médica ou junto ao público em geral. No que se refere a esta divulgação, a propaganda que é dirigida para a classe médica tem características bem diferentes daquela que é dirigida, diretamente, ao consumidor. Trata-se de uma propaganda muito cara e que consome cerca de 20% do faturamento das indústrias multinacionais. A maioria das indústrias produz, atualmente, tanto produtos de venda livre quanto os de prescrição médica. Os produtos de venda livre, que não exigem prescrição, recebem, nos países de língua inglesa, o nome de “over the counter” (OTC), o que significa “drogas de balcão”. Um outro aspecto a ser considerado é o de que a legislação a este respeito costuma ser descumprida. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, no Brasil, perto de 80% dos medicamentos são vendidos sem prescrição médica.
 

 

 

FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:

 

  • Cowen, David & Helenford, Wiliam H. Pharmacy, an ilustrated history. Harry N. Abrams Inc. Publishers, New York, 1990.

  • Gerez, J.C. Indústria Farmacêutica: histórico, mercado e competição. Ciência Hoje, 15 (89):21-30, abril de 1999.

  • Informe ABIFARMA. Veja - Ed. 1611, 18 de outubro de 1999. Editora Abril – São Paulo.

  • Informe ABIFARMA. Veja - Ed. 1622, 03 de novembro de 1999. Editora Abril – São Paulo.

  • Paprocki, J. A indústria farmacêutica multinacional. Jornal Mineiro de Psiquiatria, B. Horizonte, MG,  Ano IV, Nº 15, abril de 2001.

  • Paprocki, J. Drogas, fármacos, medicamentos, remédios e suas classificações. Jornal Mineiro de Psiquiatria, B. Horizonte, MG, Ano VI, Nº 17, maio de 2002.

  • Paprocki, J. Medicamentos chamados naturais e os fitoterápicos. O Risco (AMP) B. Horizonte, MG. Nº 18, dezembro de 2003.

  • Tachinardi, Maria Helena. A Guerra das Patentes. Editora Paz e Terra – Rio de Janeiro, 1993.

 

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