
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
MEDICINA
A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
INDÚSTRIA FARMACÊUTICA NACIONAL PRIVADA E ESTATAL
Postado em 06 de março de 2015
RESUMO
Breve histórico da Indústria Farmacêutica Nacional a partir de 1920, quando foi registrada a existência de 126 pequenas indústrias nacionais que fabricavam, principalmente, produtos populares. O período de 1920 a 1939 foi caracterizado pela imigração de subsidiárias de indústrias farmacêuticas europeias e norte-americanas, que iniciaram a industrialização de alguns produtos éticos, enquanto as indústrias nacionais permaneciam no estágio de produção de remédios populares. O período de 1939 a 1945, período da Segunda Guerra Mundial, caracterizou uma etapa em que as filiais de indústrias estrangeiras ensaiaram a produção de algumas matérias primas no Brasil. Essa iniciativa fortalecia as indústrias estrangeiras e salientava a estagnação das indústrias nacionais. O período de 1945 a 1960 foi caracterizado pela adoção de uma legislação de quebra de patentes, pelo início da industrialização de alguns produtos similares e por um crescimento de indústrias nacionais. O período de 1960 a 1970 apresentou, como característica principal, um recrudescimento da política de quebra de patentes e a industrialização crescente, por parte das indústrias nacionais, de medicamentos similares. Esta política acarretou um crescimento aparente e, exclusivamente, quantitativo da indústria nacional, com alguma melhora dos processos de industrialização, mas sem nenhum progresso na capacitação dessas indústrias para produção de matérias primas. No período de 1970 a 1998 ocorreu um novo surto de crescimento aparente da indústria farmacêutica nacional, desta vez resultante de fatores fortuitos e externos: a possibilidade de importação de insumos produzidos por países como Alemanha, China, Índia, Itália e Japão, os quais tinham evoluído para uma fase de Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) e de produção de matérias primas. A partir de 1999 a indústria farmacêutica nacional apresentou um novo surto de crescimento, exclusivamente quantitativo, decorrente dos investimentos realizados na área da produção de medicamentos genéricos. Ao final do capítulo são mencionados alguns dados acerca da indústria nacional estatal.
INTRODUÇÃO
O tema está dividido em dois tópicos: a indústria farmacêutica privada e a indústria farmacêutica estatal. O tópico relativo à indústria farmacêutica privada foi subdividido em três períodos: o primeiro compreendido entre 1920 e 1945 caracterizado pelo respeito ao direito de patentes e pela industrialização de medicamentos populares. Um segundo período, a partir de 1945, até 1996, de desrespeito a lei de patentes e a indústrialização de medicamentos clonados chamados de similares. Um terceiro período, a partir do ano 1999, quando se passou a respeitar, parcialmente, a lei de patentes com a industrialização de medicamentos genéricos, além dos similares da etapa anterior.
A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA NACIONAL PRIVADA
1. Etapa de industrialização de medicamentos populares e de respeito à Convenção de Paris de propriedade industrial (1920 – 1945).
O primeiro documento oficial que encontramos e que se refere à indústria farmacêutica privada, no Brasil, foi o Censo Nacional de 1920 o qual mencionava a existência de 126 estabelecimentos desse ramo, com um contingente de 1.230 funcionários. O Censo não se refere às características dessas empresas, entretanto, podemos considerar dois exemplos extremos de indústrias farmacêuticas nacionais privadas, fundadas nessa época e que tiveram uma evolução bastante diferente: o laboratório Gross S.A. e a Indústria Schering – Plough.
O Laboratório Gross S.A. foi fundado em 1920 no Rio de Janeiro e existe até hoje. A empresa atuava e continua atuando no estágio de formulação e comercialização de alguns produtos populares: as vitaminas Adeforte® e Organoneurocerebral®, o anti-gripal Ozonyl Aquoso®, o anti-séptico urinário Sepurip® e o anti-emético Estac®. Em 2004, com 84 anos de existência, a indústria tinha perto de 200 funcionários e permanecia estagnada na fase de formulação e comercialização de produtos populares e alguns similares.
A Indústria Schering-Plough iniciou suas atividades, no Brasil, em 1926, com a abertura de uma representação da indústria Schering alemã no Rio de Janeiro, onde construiu sua primeira fábrica, dez anos depois. Em 1944, ao final da Segunda Guerra Mundial, a empresa foi nacionalizada, passando a fazer parte do grupo Diários Associados. Na década de 1960, a Schering brasileira foi adquirida por um conglomerado multinacional norte-americano, o que acarretou seu crescimento que culminou com a construção de um dos mais modernos parques industriais da América Latina, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Em 1989, quando um grupo de empresários brasileiros adquiriu seu controle acionário a empresa, já com o nome de Indústria Química e Farmacêutica Schering-Plough, consolidou-se como uma das maiores indústrias de capital nacional e evoluiu para a fase de industrialização de alguns insumos.
Na década de 1930, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, algumas indústrias européias e norte - americanas implantaram filiais no Rio de Janeiro e São Paulo. Nesse ano havia, no Brasil, 16 indústrias farmacêuticas estrangeiras. Um exemplo dessa imigração foi a Indústria Roche, com matriz na Basiléia (Suíça) que instalou um escritório de distribuição de medicamentos no Rio de Janeiro, em 1931. Devido a essa imigração, a partir de 1936, a produção de medicamentos, no Brasil teve um aumento significativo mas as matérias primas eram importadas da Alemanha, Estados Unidos da América, França e Inglaterra por parte da totalidade das 16 indústrias existentes.
Em 1939, com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, toda a importação de matéria-prima européia foi suspensa. As indústrias nacionais recorreram, então, aos Estados Unidos da América, que não estavam preparados, na época, para atender ao crescimento da demanda de matérias primas. Filiais de laboratórios estrangeiros radicados no Brasil tentaram produzir alguns desses insumos. Assim, além da cafeína e da teobromina, já produzidas por um laboratório brasileiro, fabricou-se, também, a emetina, extraída das raízes de ipecacuanha (Cephaelis ipecacuanha), por um laboratório francês. Foram produzidas, também, vitamina A, mentol, insulina, ácido butílico, álcool butílico e alguns sais minerais. Em 1940 havia, no país, cerca de 360 indústrias que empregavam perto de 10.000 pessoas.
Em 1945, com o término da guerra, as tentativas de industrialização de matérias primas foram interrompidas. Isto deveu-se ao atraso da química orgânica industrial brasileira e pelo fato de ser muito desigual a concorrência com os grandes parques industriais estrangeiros. A indústria farmacêutica brasileira apresentava uma grande defasagem tecnológica frente às indústrias europeias e norte americanas, que já dominavam o mercado mundial na área de química fina há algumas décadas e que retomaram as suas atividades em seus países de origem, logo após o témino da guerra. Nesse período estabeleceram-se no país algumas subsidiárias de grandes empresas estrangeiras. Essas empresas detinham tecnologias sofisticadas de produção e investiam em pesquisa, em seus países de origem. Isso não acontecia com as empresas nacionais por falta de recursos, por ausência de uma política de incentivos por parte do governo e, às vezes, por desinformação, ganância e comodismo dos empresários brasileiros. Dessa maneira, as empresas nacionais passaram a dedicar-se, novamente, à produção de medicamentos populares como ocorria em 1920. Este foi um período particularmente crítico, durante o qual ficou evidente a grande diferença existente entre as indústrias européias e norte americanas, que investiam em Pesquisa e Desenvolvimento (P & D) e as indústrias brasileiras, onde não havia esse investimento e que permaneciam estagnadas no estágio de formulação, sempre com matérias primas importadas.
2. Etapa de industrialização de medicamentos populares e similares e de desrespeito à Convenção de Paris (1945 – 1966).
No ano de 1945 o presidente Getúlio Vargas promulgou o decreto 7.903, que abolia a patente de produtos farmacêuticos e determinava uma taxação elevada para os medicamentos importados e fabricados no exterior. Esse decreto representou o primeiro rompimento do governo brasileiro com a Convenção de Paris da qual o país era signatário desde 1883. Essa Convenção regulamentava os deveres e os direitos dos países signatários quanto à observância de patentes de produtos industrializados. Essa medida do governo, que visava proteger as indústrias nacionais da concorrência das indústrias estrangeiras, propiciou a sua estagnação no estágio de formulação. Não houve, na medida, nenhum estímulo para o desenvolvimento de uma tecnologia para que as indústrias nacionais pudessem evoluir para a fase de industrialização de matérias primas e, muito menos para uma fase de pesquisa e desenvolvimento de produtos originais.
A década de 1950 foi caracterizada por um período de grande expansão das indústrias farmacêuticas multinacionais, em muitos países industrializados e desenvolvidos. Entretanto, essas grandes empresas não vendiam matérias primas para as empresas concorrentes o que continuava contribuindo para manter a estagnação da indústria farmacêutica nacional.
A década de 1960 propiciou um novo surto de crescimento quantitativo da indústria farmacêutica brasileira. Esse fato fortuito deveu-se ao desenvolvimento tecnológico de outros países. Alguns países desenvolvidos como Itália e Japão e outros, em desenvolvimento, como a China e a Índia, passaram a produzir e vender algumas matérias primas de medicamentos a preços acessíveis. Esses paises tinham investido em tecnologia e em formação de mão de obra qualificada e se tornaram aptos a fabricar matérias primas. Esse fato possibilitou com que algumas empresas brasileiras, que sobreviviam produzindo apenas medicamentos populares, passassem a produzir medicamentos mais sofisticados (similares), a partir de insumos importados dos países produtores de matérias primas. As empresas nacionais adotaram, também, as técnicas de “marketing” utilizadas pelas empresas estrangeiras, o que lhes possibilitou competir com as subsidiárias das multinacionais, já que elas passaram a formular e comercializar alguns medicamentos similares, clonados dos originais, que eram produzidos por essas subsidiárias. A abertura legal para essa clonagem tinha sido propiciada em 1958 pelo decreto Nº 43.702, promulgado pelo presidente Juscelino Kubitschek.
Ao final da década de 1960, os governos militares consideravam que o domício do mercado de medicamentos, por empresas multinacionais, era uma ameaça para a soberania e para a segurança nacional. Após o afastamento do Presidente Costa e Silva, o Governo da Junta Militar promulgou o Decreto 1.005 em 1969, que acabava, completamente, com o patenteamento de medicamentos e a proteção dos processos de fabricação. Esse Decreto da Junta Militar foi reforçado pela Lei 5.772, de dezembro de 1971, já no governo do presidente Emilio G. Médici, o qual codificava a legislação quanto à propriedade industrial e o não reconhecimento de patentes de medicamentos e de processos de fabricação.
O período de 1980 a 1998 marcou uma certa consolidação da posição de empresas farmacêuticas nacionais. Cabe destacar, entretanto, que se tratou de um crescimento meramente quantitativo sem qualquer progresso na área de industrialização de insumos e de pesquisa. Na segunda metade desse período, cerca de 15 indústrias nacionais operavam com produtos éticos, vendidos sob prescrição médica, importando matéria prima do exterior e competindo com as subsidiárias das multinacionais, com produtos chamados similares, permitidos pela legislação vigente. O número estimado de medicamentos similares industrializados na época, no Brasil era de cerca de 13.000 apresentações. Lembramos sempre, com ênfase, que se tratava de medicamentos que foram registrados pela Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) sem comprovação de sua eficácia e equivalência aos produtos originais, fabricados pelas multinacionais.
3. Etapa de industrialização de medicamentos genéricos e similares, com respeito parcial às leis patentárias (1966 em diante):
A partir de 1996 o Brasil restabeleceu o respeito a patentes de produtos farmacêuticos, suspensos desde 1945 e de respeito a patentes de processos, suspensos desde 1969. A partir de 1999 a indústria farmacêutica nacional apresenta um novo surto de progresso, com a promulgação da medida provisória da lei 9.787, a chamada lei dos genéricos, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em fevereiro de 2000 foram lançados, no Brasil, os primeiros seis medicamentos genéricos. Em agosto de 2000, a relação dos genéricos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) continha 115 produtos. A revista Época, em seu número 141, de 29 de janeiro de 2001, noticiava que existiam 172 medicamentos genéricos comercializados nas farmácias e 57 aguardavam aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Em maio de 2001 havia 272 genéricos. Em agosto do mesmo ano, havia 338 genéricos e, em outubro de 2001, havia 390 genéricos. Em 2002 existiam, no mercado, 596 medicamentos genéricos.
Esses medicamentos eram produzidos por 34 empresas, sendo 22 nacionais e 12 multinacionais. As principais empresas nacionais eram a Sigma Pharma, associada a canadense Apotex; a Biosintética que importava matéria-prima da indústria israelense Theva; a Davidson Química Farmacêutica que importava insumos da indústria indiana Ranbaxy e a Hexal do Brasil que importava insumos de sua matriz alemã. Constava, na época, que algumas das fornecedoras de matéria-prima, como a Ranbaxy, a Apotex e a Hexal planejavam montar suas próprias fábricas no Brasil, em 2003. Constava, ainda, que 17 indústrias estrangeiras, fabricantes de genéricos, estavam aguardando autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para instalar suas fábricas no Brasil. Entre essas indústrias, estavam a Cipla da Índia, a Ciufa da Espanha e a Stada da Alemanha. Acreditava-se que esse interesse pelo Brasil devia-se a uma multiplicidade de fatores: a volta ao respeito por uma Lei de Patentes, a partir de 1996; a existência de uma Lei de Genéricos a partir do ano 2000; ao fato de que perto de 85% dos medicamentos comercializados no Brasil estarem com a patentes vencidas ou próxima do vencimento; ao próprio tamanho do mercado interno brasileiro, que era da ordem de US$ 11 bilhões de dólares anuais e, finalmente, possibilidade de o Brasil vir a constituir-se em um pólo exportador de genéricos, para alguns países da América Latina, que não dispunham de indústria farmacêutica. Já existiam alguns exemplos dessa última tendência: em 2002 o grupo EMS Sigma Pharma estava exportando ciclosporina para o Peru. O laboratório Teuto Brasileirto estava exportando para o Paraguai e para o Equador. A indústria Eurofarma preparava-se para exportar para o Uruguai, para a Costa Rica e para a Venezuela.
Constava que, em 2001, o mercado brasileiro anual de genéricos era da ordem de R$ 200 milhões de reais. Esse volume de vendas colocava o Brasil em 5º lugar entre os países que produziam esse tipo de medicamentos. O primeiro lugar pertencia aos Estados Unidos, seguidos pela Alemanha, pelo Reino Unido e pelo Canadá. Esse volume de vendas podia ser considerado muito pequeno, já que representa menos de 10% do volume total do mercado de medicamentos no Brasil, que era da ordem de R$ 26 bilhões de reais no ano de 2000. A previsão otimista e ufanista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) era que os genéricos ocupariam 30% do mercado até o final do ano de 2003. Em 2004 as projeções do Mistério da Saúde e da Associação Pró-Genéricos estimava que, para um mercado de medicamentos anual de US$ 6 bilhões de dólares, os genéricos poderiam vir a ocupar uma fatia de US$ 1 bilhão de dólares.
Em 2002, a indústria farmacêutica nacional privada estava constituída por cerca de 400 pequenas, médias e grandes empresas, que eram responsáveis por perto de 15% do mercado brasileiro de medicamentos. As empresas pequenas produziam, em sua maioria, apenas produtos fitoterápicos, medicamentos das chamadas medicinas alternativas, e produtos populares, que não exigiam prescrição médica. As empresas médias e grandes, além dos produtos populares, industrializavam os medicamentos chamados éticos que exigem prescrição médica, isto é, os medicamentos similares e os genéricos, sempre a partir de insumos importados de outros paises. A seguir, enumeramos alguns exemplos dessas empresas, com algumas de suas características:
As indústrias pequenas, geralmente, com poucos produtos como o Laboratório Vitex do Rio de Janeiro, que fabrica o Rhum Creosotado®, o qual contém creosoto de faia (Fagus salvática) e o pó de matricária (Chrysantemum marterium) com vitamina A e D. O Laboratório Farmahaz Beta Atalaia, também do Rio de Janeiro que, entre outros produtos, fabrica o Capivarol®, composto de catuaba (Anemopaegma Glaucum), guaraná (Paulínia cupana) e óleo de capivara. A pequena, mas muito bem sucedida D.M. Indústria Farmacêutica Ltda, de Barueri, São Paulo, que fabrica o Engov®, o Doril®, o Gelol®, o Vitasay® e o Biotônico Fontoura® e que se permitiu ter, como garoto propaganda, nada menos que o senhor Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Sob o ponto de vista de marketing, essas empresas trabalham, geralmente, junto ao público leigo e o balconista da farmácia.
Algumas indústrias médias, como o Laboratório Ducto Indústria Farmacêutica Ltda, de Anápolis, Goiás e o Medley S.A. Indústria Farmacêutica, de Campinas, São Paulo, ambos com alguns produtos genéricos no mercado. Em um período de 4 anos e com um investimento de R$ 40 milhões de reais, essa última empresa saltou do 27º lugar para o 7º lugar no “ranking” geral das indústrias nacionais. O Laboratório Davidson Química Farmacêutica Ltda, do Rio de Janeiro, que pretendia importar genéricos da indústria indiana Ranbaxy e que, no ano 2000, tinha 13 produtos genéricos aguardando liberação pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A Hexal do Brasil Ltda, de São Paulo, que em 2002 divulgava 26 medicamentos genéricos, importados da sua matriz na Alemanha, sendo 4 antidepressivos.
Entre as indústrias grandes vamos mencionar o Laboratório Teuto Brasileiro Ltda, de Anápolis, Goiás, o Grupo EMS Sigma Pharma, de Hortolândia, São Paulo e o Laboratório Cristália de Itapira, São Paulo.
O Laboratório Teuto Brasileiro, em 2000, tinha 1.500 funcionários e um faturamento anual de 250 milhões de reais. Industrializava 198 produtos, em 400 apresentações. Em agosto de 2000, o laboratório industrializava 20 apresentações de medicamentos genéricos.
O grupo EMS Sigma Pharma compreende a Sigma Pharma, responsável pela produção de medicamentos que exigem prescrição médica, a Novomed que era responsável pela industrialização de produtos populares, vendidos sem prescrição e a Nature’s Plus que cuida da linha de produtos de higiene pessoal e beleza. Logo após a sua fundação, a Sigma Pharma incorporou a Novaquímica, outra indústria nacional e, em 1999, adquiriu toda linha cardiológica da indústria Wyeth. Em 2001, a empresa industrializava 56 produtos com 106 apresentações. Dispunha de 700 propagandistas, que visitavam um universo de 160.000 médicos. Essa empresa em 2000 era considerada como a segunda indústria farmacêutica do país e foi a primeira a receber autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para produzir medicamentos genéricos. No ano 2000 a EMS Sigma Pharma investiu US$ 1 milhão de dólares e pretendia investir mais US$ 5 milhões de dólares, nos próximos 2 anos, para cumprir a meta de colocar 100 medicamentos genéricos no mercado brasileiro. Essa empresa associou-se a uma empresa canadense, a Apotex, para importar do Canadá, 20 medicamentos genéricos, em 2002, e mais 20 no futuro. A Apotex é a principal fabricante de medicamentos genéricos no Canadá. Em 2006 a EMS detinha 304 registros de medicamentos genéricos, o que a colocava em primeiro lugar entre as indústrias nacionais que fabricam esse tivo de medicamentos. Em função dessa atividade, a EMS apresentou um crescimento de cerca de 150% em 5 anos, o que a aproxima da Indústria Aché, que era a indústria nacional de maior capital no Brasil. A EMS, juntamente com a Biosintética, a Medley e a Eurofarma controlavam, em 2004, cerca de 70% do mercado de genéricos no Brasil.
O crescimento de algumas indústrias nacionais que investiram na produção de medicamentos genéricos, somado a incentivos fiscais propiciados pelo governo do estado de Goiás, resultou na criação de um pólo industrial farmacêutico importante em Anápolis. O governo do estado renunciou a 70% do ICMS e investiu cerca de US$ 100 milhões de dólares na implantação deste pólo industrial. Em 2004 a cidade contava com 16 indústrias e 3 distribuidoras, com a geração de 5.000 empregos diretos. Entretanto, a produção total desse pólo industrial goiano é constituída por 90% de medicamentos similares e de apenas 10% de medicamentos genéricos.
As explicações para a perpetuação dos medicamentos similares e do interesse em continuar a sua industrialização, parecem ser os seguintes:
a) Esses medicamentos podem ser produzidos a partir de insumos mais baratos que aqueles usados para a manufatura de medicamentos originais e genéricos. Esses insumos podem ser importados de países que nem sempre observam preceitos rigorosos de controle de qualidade;
b) Os medicamentos similares não são onerados pelo custo de testes de biodisponibilidade e bioequivalência, exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para o registro de medicamentos genéricos;
c) Algumas indústrias nacionais, produtoras de medicamentos similares confessam, publicamente, que não suportariam o ônus econômico dos testes de qualidade, quando são pressionadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA);
d) As indústrias que produzem esses medicamentos são, frequentemente, as fornecedoras pricipais de medicamentos para as chamadas farmácias populares e serviços ligados ao Serviço Único de Saúde (SUS).
Dentro do quadro descrito, de ausência de progresso genuíno e de estagnação da indústria farmacêutica nacional no terceiro e quarto estágios de produção, existem muito poucas exceções. Uma dessas exceções é o Laboratório Cristália, de Itapira, São Paulo que foi fundado em 1972. Trata-se de uma empresa farmacêutica brasileira, dedicada ao desenvolvimento, produção e venda de um largo espectro de produtos. Fundada por um grupo de médicos a Cristália nasceu no hospital do qual esse grupo era proprietário. Sua meta inicial era produzir remédios apenas para o hospital no qual trabalhavam mas, com o tempo, passou a vendê-los para terceiros. A Cristália, desde o início, elegeu os quase 6.000 hospitais do país como consumidores principais. Em 2002, a empresa contava com mais de 1.100 colaboradores, distribuídos em 4 unidades industriais e 11 escritórios de venda e comercializava mais de 50 medicamentos, com cerca de 350 apresentações. Trata-se de uma empresa dedicada, principalmente, ao segmento hospitalar, com cobertura nacional de perto de 95% dos hospitais do país e destacada liderança no mercado de produtos para anestesia e narcoanalgésicos e ocupa o terceiro lugar de vendas no “ranking” hospitalar. Em meados dos anos de 1980 a Cristália criou uma unidade de síntese química. Essa unidade exerce atividade em pesquisa e desenvolvimento no campo farmacoquímico. O laboratório mantém convênios com universidades brasileiras como USP, UNICAMP, UFRJ e UFMG, com o objetivo de desenvolver novos produtos. Em 2004, a Cristália obteve a patente de um novo medicamentos anestésico / analgésico, o Ketamin S (+), nos Estados Unidos da América. A empresa, nessa época, dispunha de 11 processos de pedido de patentes, depositados nos Estados Unidos da América. Um desses processos referia-se a 2 anti-retro-virais desenvolvidos em colaborações com a Far-Manguinhos. A empresa fabrica 4 substâncias integrantes do coquetel anti-aids patrocinado pelo governo brasileiro.
A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA NACIONAL ESTATAL
A indústria farmacêutica estatal, no Brasil, teve início com a fundação do Instituto Butantã, em 1889 e o Instituto Oswaldo Cruz, em 1902. Em 2004 ela era constituída por 15 laboratórios que eram responsáveis por cerca de 4% de mercado total de medicamentos. Esses laboratórios estavam vinculados a 10 governos estaduais, 1 universidade, 1 ao próprio Ministério da Saúde e 3 às forças armadas. Enumeramos a seguir esse quinze laboratórios oficiais: Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (LAFEPE); Núcleo de Pesquisas e Alimentos (NEPLAN) RN; Laboratório Industrial Farmacêutico de Alagoas (LIFAL); Empresa de Produtos Farmacêuticos da Bahia (BAHIAFARMA); Indústria Química do Estado de Goiás (IQUEGO); Fundação para Remédio Popular (FURP), SP; Fundação Ezequiel Dias (FUNED), MG; Instituto de Tecnologia em Fármacos (FARMANGUINHOS), RJ; Instituto Vital Brasil (IVB), RJ; Centro de Medicamentos do Paraná (CEMEPAR), PA; Laboratório Farmacêutico Industrial de Santa Catarina (LAFISC), SC; Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEX); Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica (LQFAE); Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFMA), RJ.
Dentro do contexto de políticas governametais em relação à indústria farmacêutica, deve ser mencionada a experiência da Central de Medicamentos (CEME), criada em 1971, durante o governo militar. O plano diretor da Central de Medicamentos, elaborado dois anos após a sua criação, era muito ambicioso. Ele tinha por metas principais o combate ao oligopólio do fornecimento de matérias primas por parte das multinacionais, a intensificação da trarnsferência de tecnologia, a criação de condições para pesquisa e produção de medicamentos em todas as etapas e por fim, o fornecimento de medicamentos gratuitos para a população carente. Este plano diretor previa, também, o desenvolvimento do sistema estatal de produção de medicamentos, através da eliminação de ociosidade tradicional, das indústrias farmacêuticas estatais, própria de empreendimentos públicos. Quando de sua fundação o órgão estava subordinado, diretamente, à Presidência da República e mais tarde, foi partilhado pelo Ministério da Previdência e pelo Ministério da Indústria e Comércio. Nessa época foi fundada a Associação Brasileira de Indústria Farmacêutica (ABIFARMA), que passou a defender os interesses das indústrias farmacêuticas mutinacionais. Parece que nessa ocasião houve, também, por parte do governo brasileiro, a tomada de consciência de que o grande endividamento externo do país não dava muita margem para o enfrentamento com os países credores, que sediavam as matrizes das grandes multinacionais de medicamentos. A Central de Medicamentos (CEME) acabou transformando-se em mera compradora de produtos prontos, na rede privada, embalando-os e distribuindo-os, com irregularidade. Os ideais de pesquisa, de criação de infra-estrutura de industrialização e da extensão de benefícios para toda população carente foram arquivados e a Central de Medicamentos (CEME) foi desmontada, com um lastro grande de denúncias de corrupção e de ineficiência, no governo do Presidente Ernesto Geisel.
Durante o governo do Presidente Itamar Franco, levantou-se a questão da produção de medicamentos mais baratos e foram prometidos investimentos substanciais, visando reaparelhar as indústrias estatais, com a finalidade de incrementar a sua produção. Consta que em 1993, a produção das 15 indústrias oficiais mal chegava a 30% de sua capacidade.
No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso acreditava-se que as indústrias estatais funcionavam com cerca de 50% de sua capacidade e mal conseguiam atuar, como retaguarda estratégica do governo, para suprir as populações carentes com alguns medicamentos e na produção de vacinas. As duas únicas exceções pareciam ser o Instituto Butantã e a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Este último, além de produzir vacinas, sempre investiu em pesquisa e produzia alguns medicamentos similares, componentes do coquetel antiaids.
Em abril de 2002, o ministro José Serra anunciou que o governo iria investir R$ 34,8 de reais nas indústrias estatais. Essa promessa foi feita durante as comemorações do Dia Mundial da Saúde, na sede da Organização Mundial de Saúde (OMS), em Brasília. Essa cifra pode ser considerada pequena já que, somente uma dessas indústrias, a Fundação Ezequiel Dias (FUNED), de Belo Horizonte, necessitava da metade dessa quantia a fim de se tornar apta para realizar os testes de biodisponibilidade e bioequivalência dos futuros genéricos e para dobrar sua produção.
Durante o governo do Presidente Lula, em junho de 2004, o ministro da saúde Humberto Costa, reservou a quantia de 20 milhões de reais para a aquisição de uma fábrica de medicamentos desativada, da empresa Glaxo, para aumentar, ainda mais, o número de indústrias farmacêuticas estatais pouco operantes.
COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES
O volume do mercado de medicamentos no Brasil, no ano de 2000, era da ordem de US$ 11.000.000.000 de dólares, o que colocava o país em 6º lugar no “ranking” mundial do mercado de medicamentos.
Neste ano a produção de medicamentos no país era realizada por perto de 70 indústrias farmacêuticas multinacionais, por cerca de 400 indústrias farmacêuticas nacionais privadas; por 15 indústrias nacionais estatais e por, aproximadamente, 3.200 farmácias de manipulação magistrais.
As 70 multinacionais eram responsáveis por cerca de 77% do faturamento. As 400 indústrias nacionais privadas eram responsáveis por perto de 15% do faturamento. As 15 indústrias nacionais estatais eram responsáveis por volta de 4% e, as farmácias de manipulação respondiam pelos restantes 4% do faturamento global, anual.
No ano de 2004 houve uma redução substancial no volume total do faturamento e uma mudança bastante significativa na distribuição proporcional desse faturamento: as 70 empresas multinacionais tiveram a sua participação reduzida para 70%; as 400 indústrias nacionais privadas tiveram o seu percentual aumentado para 18%; as 5.356 farmácias de manipulação aumentaram a sua participação para perto de 8% do volume de faturamento toral. Consta que os 18% do faturamento da indústria nacional privada são resultantes da produção de 9% de genéricos e de 9% de medicamentos similares. Esses últimos continuam sendo produzidos apesar da legislação vigente no país prometer a sua extinção desde a promulgação da Lei dos Genéricos, no ano 2000. Cabe destacar que o Brasil é um dos poucos países, em desenvolvimento, que permite este tipo de produto, que não existe mais no mercado dos países desenvolvidos.
Para melhor entendimento do texto lembramos que na produção de medicamentos podemos distinguir 5 etapas ou estágios: a primeira etapa consiste na pesquisa e desenvolvimento de produtos novos ou originais; a segunda etapa, chamada de industrialização, consiste na produção, em grande escala, dos produtos desenvolvidos no estágio anterior e que recebem o nome de insumos ou matérias primas; a terceira etapa recebe o nome de formulação e consiste na transformação dos insumos em medicamentos de consumo final, sob a forma de comprimidos, cápsulas, pomadas e outros; o quanto estágio consiste na embalagem e distribuição desses medicamentos para sua comercialização por atacado e no varejo: distribuidores, drogarias e farmácias.
A história da indústria farmacêutica nacional é uma história triste de estagnação na terceira e quarta etapa do processo produtivo. Ao longo do século XX, enquanto muitos países investiam na área de química fina e em tecnologia de industrialização de matérias primas, o Brasil permaneceu estagnado nos estágios de formulação de insumos importados e sua comercialização. Um conjunto de legislações protecionistas, caracterizadas por quebra de patentes e congelamento de preços, deu origem a uma filosofia empresarial fundamentada em atividades de clonagem de produtos originais, na ausência de formação de pessoal qualificado para pesquisa e na falta de implantação de uma tecnologia que tornasse o país independente, na área de medicamentos. A política de industrialização de medicamentos clonados chamados de similares, que vigorou até o ano 2000, bem como a política dos medicamentos genéricos, implantados no governo Fernando Henrique Cardoso, somente beneficiou a indústria de formulação e comercialização e está contribuindo, cada vez mais, para transformar o Brasil em um país dependente de matérias primas ou insumos, em vez de dependente de produtos manufaturados.
As sucessivas legislações brasileiras visavam, principalmente, o combate às indústrias farmacêuticas multinacionais e não o progresso real das indústrias nacionais. Segundo alguns autores que estudam esse tema, o conjunto de leis protetoras fundamentadas em uma política de congelamento de preços e na quebra de patentes, apenas incentivou a pirataria, a gananciosidade imediatista e o comodismo dos empresários brasileiros. Ao fomentar a criação de indústrias chamadas de formulação e comercialização, isto é, aquelas que somente transformam matéria prima importada em comprimidos, cápsulas e pomadas e as embalam e comercializam, alguns países apenas trocam o tipo de dependência. Passam a depender de fabricantes e fornecedores de matérias primas e insumos, em vez de depender de multinacionais, que industrializam e vendem medicamentos prontos. Nesse caso, é bom lembrar que essas matérias primas importadas, usualmente, estão sujeitas a monopólios ainda mais rígidos que os medicamentos prontos para o consumo, a não ser que sejam adquiridas de empresas pouco confiáveis, sediados em países que não tem uma tradição de controle de qualidade na área farmacêutica e não exercem uma fiscalização rigorosa sobre os produtos de exportação.
O Brasil, como alguns outros países em desenvolvimento, tem se esforçado no sentido de criar indústrias nacionais, na esperança de reduzir a dependência do país em relação à indústria farmacêutica multinacional. O que tem ocorrido é que os governos de todos esses países, assim como no Brasil, continuam com dificuldades para perceber que tais indústrias farmacêuticas exigem investimentos enormes, excelente tecnologia, mão de obra qualificada, demoram muito tempo para tornar-se eficientes e rentáveis e geram muito poucos empregos.
A adoção de políticas de incentivo para produção de matérias primas ou insumos de medicamentos exige atitudes corajosas e inteligentes que favoreçam a criação de indústrias de química fina e grandes investimentos em educação, que favoreçam a formação de mão de obra qualificada. Esse conjunto de medidas não foi adotado no Brasil. Em alguns países desenvolvidos como Alemanha, Canadá e Japão e outros, em desenvolvimento, como China, Egito, Espanha, Índia, esse conjunto de medidas foi adotado e produziu bons resultados. O Brasil permanece estagnado. Continua importando insumos desses países desde o início do século XX para produzir seus genéricos, similares e manipulados. A população pobre e desinformada do país é abastecida com medicamentos similares e manipulados cujas matérias primas não passaram pelos testes de bioequivalência e biodisponibilidade.
FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:
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