
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
INDÚSTRIA FARMACÊUTICA MULTINACIONAL
Postado em 27 de fevereiro de 2015
RESUMO
História do nascimento de algumas indústrias multinacionais a partir de farmácias de manipulação, como iniciativas de farmacêuticos e médicos, a partir de indústrias químicas e de corantes e como empreendimentos puramente comerciais, fundadas por empresários sem vínculo com as áreas de farmácia ou medicina. São citadas, também, algumas fusões dessas indústrias que deram origem à mega empresas. Menciona-se o papel importante de algumas dessas indústrias no desenvolvimento de medicamentos considerados de muito valor para a humanidade. São relatados alguns acontecimentos que minaram o prestígio da indústria farmacêutica multinacional durante algumas décadas.
O NASCIMENTO DE ALGUMAS INDÚSTRIAS FARMACÊUTICAS
Relatamos, a seguir, a história do nascimento de algumas indústrias multinacionais a partir de farmácias de manipulação, como iniciativa de médicos, a partir de indústrias químicas e de corantes e, finalmente, como empreendimentos eminentemente comerciais, fundadas por empresários sem qualquer vínculo com as áreas de farmácia ou medicina.
Um grande número de indústrias farmacêuticas multinacionais nasceu ao longo do século XIX, a partir de pequenos empreendimentos locais como as farmácias de manipulação. Os farmacêuticos e donos dessas farmácias costumavam manufaturar alguns produtos que, às vezes, se constituíam em medicamentos muito bem sucedidos sob o aspecto comercial. Alguns desses produtos de maior aceitação e vendidos, inicialmente, apenas no balcão da farmácia produtora, passaram a ser industrializados em maior escala e distribuídos mais amplamente para farmácias menores, onde eram revendidos. Algumas dessas farmácias produtoras transformaram-se, inicialmente, em pequenas indústrias e, mais tarde, em mega gigantescas que existem até hoje.
Algumas das indústrias que tiveram origem em farmácias de manipulação ou foram fundadas por farmacêuticos são as seguintes:
• Em 1821 foi fundada a E.Merck A. G. em Darmstadt, Alemanha, quando uma antiga e pequena farmácia familial, fundada em 1668 pelo farmacêutico Heinrich Emanuel Merck, passou a manufaturar derivados de morfina e outros alcaloides em grande escala. Em 1953 essa empresa fundiu-se com a Sharp & Dohme dando origem a Merck, Sharp & Dohme.
• Em 1830, um farmacêutico chamado John K. Smith fundou em Filadélfia, Estados Unidos da América, uma empresa industrial com o nome de Smith, Kline & French que ganhou prestígio, na época, por produzir quinino de boa qualidade. Mais tarde, em 1989 esta empresa uniu-se ao laboratório inglês Beecham e recebeu o nome de Smith Kline & Beecham. Mais recentemente, em 2000, esta empresa fundiu-se com a Glaxo Wellcome, em uma operação que envolveu perto de US$ 77 bilhões de dólares, dando origem a um dos maiores conglomerados da indústria farmacêutica do mundo, com capital de quase US$ 180 bilhões de dólares e com planos de ocupar 10% do mercado mundial de produtos farmacêuticos. O nome atual do conglomerado é Smith Kline Beecham Corporation.
• Em 1845, dois farmacêuticos de Baltimore, Estados Unidos da América chamados Alphonsus Phineas Sharp e Louis Dohme fundaram a indústria farmacêutica que recebeu o nome de Sharp & Dohme. No ano de 1953, esta indústria fundiu-se com a já mencionada Merck, dando origem à mega indústria chamada Merck, Sharp & Dohme.
• Em 1880, dois farmacêuticos, chamados Silas S. Borroughs e Henry S. Wellcome, graduados pelo Colégio de Farmácia de Filadélfia, Estados Unidos da América, fundaram em Londres, Reino Unido, a indústria farmacêutica Borroughs Wellcome Company.
Um outro grupo de indústrias farmacêuticas foi fundada por médicos. Vamos lembrar que, antes e durante o século XIX, em alguns países, era hábito relativamente frequente que o próprio médico abastecesse o paciente com os medicamentos que prescrevia e que, muitas vezes, ele próprio fabricava. Algumas dessas indústrias foram as seguintes:
• Em 1858 foi fundada em Brooklyn, Estados Unidos da América, pelo médico Edward R. Squibb, a indústria E.R. Squibb & Sons. Esta indústria teve grande sucesso comercial pelo fato de ter sido escolhida para suprir de medicamentos as forças armadas da União, durante a Guerra Civil Americana.
• Em 1885, foi fundada em Kalamazoo, Michigan, Estados Unidos da América, a Upjohn Pill and Granule Company. Seus fundadores foram o médico William E. Upjohn e seus irmãos. O êxito desta empresa deveu-se, em grande parte, às suas “pílulas solúveis ou friáveis”, devidamente patenteadas. Na época, algumas delas teriam uma composição secreta. Uma análise posterior dessas pílulas evidenciou que 30 delas eram produtos vegetais.
Um terceiro grupo de indústrias farmacêuticas foi fundado por químicos ou teve origem em indústrias químicas e, em particular, em indústrias de corantes. Estas indústrias, que vendiam matéria prima para as farmácias de manipulação ou para as pequenas indústrias farmacêuticas incipientes passaram, também, a industrializar medicamentos.
• Em 1849, nasceu a Pfizer em Baltimore, Estados Unidos da América. Esta indústria foi fundada por Charles Pfizer, um químico alemão refugiado nos Estados Unidos da América. Em 2002 essa empresa comprou a indústria Pharmacia, por US$ 46 bilhões de dólares. O faturamento da mega empresa, resultante desta fusão, passou a ser de US$ 50 bilhões de dólares anuais, o que representava perto de um sexto do faturamento mundial de medicamentos. Nesse mesmo ano a nova empresa prometeu investir US$ 7 bilhões de dólares em pesquisa. Alguns produtos das duas empresas, já eram líderes de mercado como a Sertralina (Zoloft®) para depressão e o Sildenafil (Viagra®) para disfunção erétil.
• Em 1849, foi fundada a Rhone Poulenc, na cidade de Rhone, na França. Esta indústria nasceu a partir de uma pequena fábrica de química fina e seu fundador foi Etiene Poulenc.
• Em 1859, foi fundada a Ciba, por Alexander Clave, em Basiléia, Suíça, como uma pequena fábrica de corantes. A empresa produziu seu primeiro medicamento somente em 1889. Esta empresa transformou-se, rapidamente, em um grande complexo industrial. Mais tarde, a Ciba fundiu-se com a Geigy dando origem à Ciba-Geigy, depois rebatizada como Biogalênica a qual, mais recentemente, fundiu-se com a Sandoz, dando origem à Novartis. Em 2005 a empresa pertencia ao grupo das 5 maiores indústrias farmacêuticas do mundo e faturava, anualmente, cerca de US$ 30 bilhões de dólares.
• Em 1862, Jean Gaspar Dolfus fundou uma indústria de corantes que deu origem a Sandoz e produziu seu primeiro medicamento em 1921. Esta empresa fundiu-se com a Biogalênica nos anos noventa, o que deu origem à mega empresa Novartis.
• Em 1863, foi criada a Farbenwerke Hoechst na cidade de Hoechst, Alemanha, a partir de uma pequena indústria química. Em 1907, a Hoechst, que vinha trabalhando de forma sistemática com compostos arsenobenzóicos, lançou o Salvarsan®, destinado ao tratamento da sífilis. Essa descoberta deu a Paul Ehrlich, o Prêmio Nobel de Medicina em 1908 e transformou a pequena empresa Hoechst, em uma grande indústria transnacional. Isso deveu-se, principalmente, ao lançamento de um produto eficaz, obtido através da verificação sistemática de efeitos biológicos, provocados por substâncias químicas sintéticas. No ano de 2000 a fusão da Hoechst Marion Roussel e da Rhodia Pharma deu origem a Aventis Pharma, empresa com capacidade de investimento em pesquisa de mais ou menos US$ 2,5 bilhões de dólares anuais.
• Em 1876, um coronel, norte-americano, graduado em química, chamado Eli Lilly, fundou um laboratório farmacêutico na cidade de Indianópolis, estado de Indiana, Estados Unidos da América. Esta empresa recebeu o seu nome e existe até hoje. Trata-se de uma mega indústria farmacêutica que opera em um grande número de países e emprega, aproximadamente, 41.000 funcionários. Ocupa um papel de liderança na área de oncologia, endocrinologia e psiquiatria e investe, maciçamente, em pesquisa e desenvolvimento de produtos. Consta que esse investimento é de ordem de US$ 2 bilhões de dólares anuais e que cerca de 20% de seus funcionários trabalham na área de pesquisa. Consta, também, que o seu faturamento anual, mundial, foi da ordem de 11 bilhões de dólares em 2002. Seus produtos mais conhecidos são a fluoxetina (Prozac ®), olanzapina (Zyprexa ®) e a insulina (Humulin ®). Em 1944 a empresa instalou uma subsidiária no Brasil com o nome de Eli Lilly And Co. OF Brasil. Em 1953 a empresa instalou uma fábrica em São Paulo e, em 1962 passou a chamar-se Eli Lilly do Brasil.
Algumas indústrias farmacêuticas foram fundadas como empreendimentos puramente comerciais por empresários sem nenhum vínculo com a química, farmácia ou medicina. Entre outras, podemos enumerar as seguintes:
• Em 1758, foi fundada em Basiléia, Suíça, uma empresa que negociava com especiarias, corantes e drogas. Seu fundador foi um comerciante chamado Johann Rudolph Geigy. Essa casa comercial transformou-se, em 1859, em indústria de corantes e, mais tarde, na potente Geigy A. G. que fabricou seu primeiro medicamento em 1940. Mais tarde, fundiu-se com a Ciba dando origem a Biogalênica e, mais recentemente, com a Sandoz dando origem a atual Novartis.
• Em 1887, foi fundada a Bristol Mayers, em Clinton, Nova York, Estados Unidos da América. Esta empresa fundiu-se mais tarde com a Squibb dando origem a Bristol-Mayers-Squibb. No ano de 2003, essa mega indústria, divulgava que tinha 45.000 funcionários, e 4.000 cientistas, distribuídos em oito institutos de pesquisa. Consta que seu investimento anual, em pesquisa, é de US$ 2 bilhões e 300 mil dólares. Seus focos de maior interesse são as áreas de esquizofrenia, ansiedade e depressão, dor e doença de Alzheimer.
• Em 1915 foi fundada a indústria farmacêutica Lundbeck em Copenhague, Dinamarca, com atuação em vários segmentos. A partir de 1950 a empresa passou a direcionar suas atividades para a pesquisa e desenvolvimento de antidepressivos e antipsicóticos. A partir de 1980 passou a dedicar-se, exclusivamente, à área do sistema nervoso central. A empresa é responsável pelo desenvolvimento de antidepressivos como amitriptilina (Tryptanol®), nortriptilina (Pamelor®), citalopram (Cipramil®), escitalopram (Lexapro®), e de antipsicóticos como o zuclopentixol (Clopixol®) A empresa tem subsidiarias em 34 países, e em maio de 2002, instalou uma subsidiaria no Brasil onde, até essa data, era representada pela Schering-Plough S/A.
O INVESTIMENTO EM PESQUISA E O FATURAMENTO
As indústrias multinacionais, como já foi dito, são as responsáveis pelo desenvolvimento e industrialização de medicamentos inovadores, originais ou de marca e são as que mais investem em pesquisa e desenvolvimento (P & D).
Sabe-se que o investimento em pesquisas, por parte da indústria farmacêutica multinacional, no desenvolvimento de medicamentos originais atinge cifras muito grandes. Em 1980 o investimento global anual em P & D era de U$ 2 bilhões de dólares. Em 1985, era de US$ 4 bilhões de dólares. Em 1990, esse investimento era de U$ 8 bilhões de dólares. Em 1995, tinha atingido a cifra de U$ 15 bilhões e, no ano de 2000, esse investimento era representado pela monumental quantia de U$ 30 bilhões de dólares anuais.
Muitas dessas empresas abrigaram e continuam abrigando, em seus quadros, investigadores muito importantes, responsáveis por grandes avanços da terapêutica farmacológica. A guisa de exemplos podemos mencionar a síntese do ácido acetilsalicílico (Aspirina®) da Bayer, em 1897 e que, depois de um século, continua sendo o fármaco mais bem sucedido do mundo. A síntese do primeiro medicamento eficaz para o tratamento da sífilis, o arsenobenzóico (Salvarsan®), no laboratório da Hoechst valeu a Paul Ehrlich o Prêmio Nobel de Medicina, em 1908. A descoberta da cimetidina (Tagamet®), em 1960, em estudos desenvolvidos na indústria Smith Kline. A pesquisa desenvolvida na indústria ICI, hoje Zeneca, entre e 1964 a qual levou à descoberta do primeiro beta bloqueador e que trouxe a Sir James Black o Prêmio Nobel de Medicina em 1988. No plano da terapêutica psiquiátrica, praticamente, todos os medicamentos existentes no mercado foram desenvolvidos por indústrias farmacêuticas. Na área dos antidepressivos cabe destacar a descoberta da imipramina (Tofranil®) por Ronald Kuhn em 1959, e a partir daí o desenvolvimento de toda uma família de antidepressivos tricíclicos pela então Ciba-Geigy e atual Novartis. A síntese do primeiro benzodiazepínico, o clordiazepóxido (Librium®), por Leo Sternbach, e o desenvolvimento de toda uma família de benzodiazepínicos pela indústria Roche, a partir da década de 1960. Esta indústria teve um papel de destaque no plano do lançamento de ansiolíticos: em 1960 o clordiazepóxido (Librium®) e o mitrazepam (Mogadon®); em 1965 o diazepam (Valium®); em 1974 o clonazepam (Rivotril®) e o bromazepam (Lexotan®); em 1975 o flurazepam (Rohypnol®); em 1986 o midazolam (Dormonid®). A partir de 1990 a Roche aventurou-se no campo dos antidepressivos, com o lançamento de um inibidor de monoaminooxidase reversível, a moclobemida (Aurorix®) e, em 2001. A introdução do inibidor seletivo de recaptação de serotonina, fluoxetina (Prozac®) pela indústria Lilly, em 1987 e que foi o precursor de um grupo de antidepressivos como a paroxetina (Aropax®), sertralina (Zoloft®), o citalopram (Cipramil®) e o escitalopram (Lexapro®), todos com mecanismos de ação semelhante ao da fluoxetina (Prozac®). Na área dos antipsicóticos deve-se destacar que o primeiro deles, a clorpromazina (Amplictil®) após ter sido estudado por Delay e Deniker, foi lançado pela indústria Specia, em 1950; o haloperidol (Haldol®) foi desenvolvido por Paul A. Janssen, em sua indústria e lançado em 1958; os antipsicóticos de segunda geração como a clozapina (Leponex®) desenvolvida pela Sandoz, em 1970; o clopentixol (Clopixol®) desenvolvido pela Lundbeck, em 1980; a risperidona (Risperdal®) desenvolvida e lançada pela Janssen em 1993; a olanzapina (Ziprexa®) desenvolvida e lançada em 1995 pela Lilly; a quetiapina (Seroquel®) lançada pela Zeneca em 1997;e a ziprazidona (Geodon®) lançada pela Pfizer, em 1999.
A LUCRATIVIDADE E A CREDIBILIDADE
O período de duas décadas, compreendidas entre 1940 e 1960, costuma ser considerado como etapa áurea da indústria farmacêutica multinacional. Durante esse período ocorreu a descoberta e o lançamento de um grande número de produtos inovadores, como as sulfas, a penicilina e outros antibióticos, hormônios esteróides, beta bloqueadores, antipsicóticos, antidepressivos e benzodiazepínicos. Nessa época a indústria farmacêutica multinacional gozava de grande prestígio, admiração e respeito por parte da comunidade médica e leiga na grande maioria dos países. Esta situação foi abalada no período compreendido entre 1960 e 1970, quando o senado norte americano identificou ligações espúrias entre a indústria farmacêutica dos Estados Unidos da América e a medicina americana, entre a indústria farmacêutica e as revistas médicas e também, de como as indústrias farmacêuticas norte americanas e européias promoviam seus produtos, nos países em desenvolvimento e do terceiro mundo, enaltecendo as suas propriedades terapêuticas e omitindo ou minimizando os efeitos colaterais e tóxicos. Este foi, também, o período do grande desastre da talidomida, quando em 1959, ocorreram os primeiros relatos de focomelia e, em 1961, antes que o produto fosse retirado do mercado, havia a previsão de cerca de 10.000 crianças deformadas em vinte países.
Sob o ponto de vista econômico, a partir de 1980 até o ano de 2004 a indústria farmacêutica multinacional atravessou, novamente, um período de grande prosperidade. No plano mundial, o faturamento da Indústria Farmacêutica Multinacional, em 1990, foi de cerca US$ 200 bilhões de dólares anuais. No ano de 2000, o faturamento anual foi da ordem de US$ 300 bilhões de dólares e a previsão, para o ano de 2004 era de US$ 370 bilhões de dólares.
O mercado brasileiro de medicamentos também cresce de maneira bastante expressiva. Em 1992, esse mercado era de quase US$ 4 bilhões de dólares. Em 1998, o mercado atingiu a cifra de US$ 10 bilhões de dólares e, no ano de 2000 alcançava a cifra de US$ 11 bilhões de dólares o que, na época desse faturamento, colocava o Brasil como o 5º mercado mundial. Em 2004 parece ter havido uma redução substancial no faturamento das multinacionais, no Brasil, o qual foi estimado em apenas US$ 6 bilhões de dólares. Acredita que esta redução deveu-se ao incremento da produção de medicamentos genéricos e similares, por parte da indústria nacional, bem como, o grande aumento na produção de medicamentos manipulados por parte das farmácias magistrais. Consta que o grupo dos medicamentos genéricos passou a ocupar, em 2004, perto de 9% do mercado total de remédios no país o que resultou em um total de perto de 30% de redução na venda de produtos originais ou de marca.
Em 2005 constatou-se que algumas indústrias multinacionais sofreram um abalo em sua credibilidade, principalmente, ao longo dos últimos cinco anos. Esse abalo é bastante semelhante e por motivos parecidos a aquele que ocorreu há cerca de três décadas. Os motivos prenderam-se a fatos ou incidentes que envolvem uma multiplicidade de instituições e personagens: as indústrias farmacêuticas, os órgãos reguladores e fiscalizadores, os periódicos médicos, os investigadores clínicos e os analistas e autores de revisões sistemáticas e de meta-análises.
No ano 2000 o “NEW ENGLAND JOURNAL OF MEDICINE” publicou um artigo que comenta a possibilidade de acordos financeiros entre indústrias e investigadores, que poderiam configurar conflitos de interesse e que não eram divulgados. No mesmo ano o “BRITISH MEDICAL JOURNAL” (BMJ) trouxe a tona um problema ligado ao emprego de anticoncepcionais de terceira geração: os autores do artigo mencionavam que os estudos financiados por órgãos estatais revelavam uma grande incidência de acidentes tromboembólicos. Os estudos financiados pelas próprias indústrias costumavam omitir essas complicações.
Em 2002, o “NEW YORK TIMES” publicou um editorial acerca de antiinflamatórios não hormonais. Nesse editorial constava a seguinte afirmação: “a saga das drogas caras, que são promovidas para o alivio de artralgia, fica cada vez mais preocupante a cada nova revelação”. Na realidade, existia um consenso entre os especialistas que estudavam o assunto de que alguns aspectos ligados aos produtos celocoxib (Celebra ®) da indústria Pharmacia e do refecoxib (Vioxx ®) da Merck Sharp Dohme e relacionados com sua eficácia e segurança, ainda não foram devidamente esclarecidos. O rofecoxib (Vioxx®) foi retirado do mercado em setembro de 2004, por iniciativa da própria indústria produtora, quando ficou constatado que o mesmo, em uso prolongado, poderia dobrar os riscos de infarte e de acidente vascular cerebral.
Em 2004 foi publicado um artigo muito importante na revista “LANCET” o qual chamava a atenção para o risco aumentado na incidência de ideação suicida e de tentativas de suicídio com o emprego de inibidores seletivos de recaptação de serotonina como a paroxetina (Aropax ®), da Smith Kline Beecham, a sertralina (Zoloft ®) da Pfizer e o citalopram (Cipramil ®) da Lundbeck. Os autores do artigo chamavam a atenção para o fato de que alguns dados, relativos à eficácia e a segurança do emprego desses produtos em crianças e adolescentes, usualmente, não eram mencionados em artigos publicados em periódicos médicos. Em junho de 2004 o Procurador Geral do Estado de Nova York formalizou uma denuncia perante a Suprema Corte do Estado contra a empresa Glaxo Smith Kline e Smith Kline Beecham Corporation por prática de atos fraudulentos repetidos, ligados à omissão e malversação de dados em relação ao emprego de paroxetina (Aropax ®) em crianças e adolescentes deprimidas.
Os fatos enumerados referem-se, apenas, a algumas indústrias, entretanto, eles repercutiram sobre a indústria farmacêutica como um todo, como já ocorreu em outras épocas. A empresa de consultoria HARRIS INTERACTIVE realizou um levantamento acerca da credibilidade da indústria farmacêutica junto ao público, nos Estados Unidos da América. Essa credibilidade era de 80% em 1997. Em 2003 essa credibilidade mal atingia a cifra de 40%.
FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:
-
Angell, M. Is academic medicine for sale? N. Eng. J. Med. – 1998, 338 (2): 101 – 6.
-
Calixto, João Batista. Desenvolvimento de Medicamentos – Ensaios Pré-Clínicos. Médicos, HC – FMUSP – Ano 1, Nº 4, set/out 1998.
-
Cowen, D.L. & Helfound, W.H. Pharmacy – an illustrated history. Harry N. Abrams Inc. Publishers, N.Y., USA, 1990
-
Gerez, J.C. Indústria Farmacêutica: histórico, mercado e competição. Ciência Hoje, - 15 (89): 21-30, Abril 1993.
-
Huston P, Moher D. Redundancy, disaggregation and the integrity of medical research. Lancet – 1996, 347 (9007) 1024 – 6.
-
Paprocki, J. A indústria farmacêutica multinacional. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, ano 5, n. 15, abr., 2001.
-
Questions About Arthritis Drugs (Editorial). New York Times – NY, USA,06.06.2002.
-
Silverman, M.; Lydecker M.; Lee, P.R. Bad Medicine – The Prescription Drug Industry in The Third Word. Ed. Stanford University Press – Stanford, Califórnia. 1992.
-
Vanderhoucke JP, Helmerhorst F.M., Rosendall F.R. Competing interest and controversy about third generation contraceptíveis. B.M.J. – 2000; 320 (723): 381 – 2.
-
Whittington CJ, Kendall T., Fonagy P., Cotrell.D. Selective serotonin reuptake inhibitors in childhood depression. Lancet – 2004, 363;1341 - 45
MEDICINA
A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
Blog Jorge Paprocki - Em operação desde Outubro/2014