
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
ENSINO
FORMAÇÃO DE PSIQUIATRAS NO BRASIL
Postado em 17 de abril de2015
Jorge Paprocki
Psiquiatra pela ABP / AMB / CFM
Membro Emérito da Academia Mineira de Medicina
Membro Fundador da Associação Brasileira de Psiquiatria
O EXERCÍCIO E O ENSINO DE PSIQUIATRIA
O exercício da Psiquiatria, tal como ela é entendida e praticada nos dias de hoje, teve início na Europa ao longo do século XVIII.
O termo “Psiquiatria” foi empregado pela primeira vez por Johann Reil (1808) com o significado de “tratamento da mente”. O médico que tratava da mente era “Psiquiatra”. Segundo esse autor, as qualidades desejáveis para esse psiquiatra seriam: “perspicácia, talento para observação, inteligência, força de vontade, paciência, experiência, físico imponente e rosto que impusesse respeito”.
No século XXI, acredita-se que o psiquiatra clínico deve possuir as seguintes características: boa formação médica; boa formação psiquiátrica - conhecimento do funcionamento psíquico normal e anormal (psicologia, psicopatologia); técnica apurada para coletar sintomas (propedêutica); bons conhecimentos de terapêutica (psicofarmacoterapia e de uma técnica psicoterápica); boa capacidade de análise crítica (epidemiologia, estatística, metodologia de pesquisa); bom aculturamento geral (literatura, arte, história e conhecimento de inglês); boa saúde mental e posicionamento consistente (submeter-se a tratamento pessoal e supervisão competente). A existência dessas características deve ser comprovada.
O ensino da psiquiatria teve início na França e na Alemanha. O ensino das bases da psiquiatria asilar e assistencial ocorreu na França a partir do início do século XIX com Jean Etiene Esquirol (1772 - 1840), Philippe Pinel (1745 – 1826) e Benedict Morel (1809 – 1873).
O ensino da psiquiatria acadêmica, teórica, e a criação da psicopatologia ocorreram no século XX, a partir de 1910, na Alemanha, com Emil Kraeplin (1856 - 1926), Kurt Schneider (1887 – 1967) e Ernst Kretschmer (1888 – 1964).
O ensino de psiquiatria no Brasil teve início no século XX. Os profissionais mais envolvidos com o ensino da psiquiatria assistencial foram: Francisco Franco da Rocha (1864 - 1933) no Hospital do Juqueri - SP – em 1901; Juliano Moreira (1873 - 1932) no Hospital Engenho de Dentro - RJ – em 1903; Ulisses Pernambucano (1892 - 1943) fundador da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental e da revista do mesmo nome (Recife).
Os profissionais mais envolvidos com o ensino da psiquiatria doutrinária, no Brasil, foram: Henrique B.B. Roxo (1877 - 1969) – FMRJ - RJ - (± 1939); A. C. Pacheco e Silva (1898 - 1988) - FMSP da USP – SP - (± 1940); Darcy Mendonça Uchoa (1907 - 2003) - FMSP da USP - SP - (± 1945); e José Leme Lopes (1904 - 1990) – FMUFRJ – RJ (± 1948).
PROGRAMAS PARA FORMAÇÃO DE ESPECIALISTAS EM MEDICINA
A criação e a implementação de um treinamento para formação de especialistas em medicina teve início em 1889 no Johns Hopkins Hospital, Baltimore, Maryland, nos Estados Unidos da América. Nesse ano, um cirurgião chamado Wiliam Halsted criou um programa de treinamento para candidatos a cirurgiões, em regime de tempo integral. Os médicos em treinamento recebiam o nome de “residentes” porque moravam, efetivamente, no hospital. Essa “residência” em cirurgia tinha 3 etapas: uma etapa de aprendizado preparatório, como interno, de um ano de duração; seis anos como residente assistente; uma terceira etapa como “house surgeon”, que já era uma espécie de “preceptor”, com 2 anos de duração. Um residente dessa época que tornou-se famoso, posteriormente, foi Harvey Cushing, considerado pai da neurocirurgia.
A segunda residência criada nos Estados Unidos da América foi a de Medicina Interna, também no Johns Hopkins Hospital. Foi fundada pelo médico canadense Sir Wiliam Osler. A base do treinamento era o ensino a beira do leito, em regime de tempo integral, com permanência dos residentes no hospital com vida, praticamente, monástica. Tinha duração de 6 a 8 anos.
Em 1927, a AMA (American Medical Association) reconheceu a Residência Médica (RM) e passou a aprovar os primeiros programas. Desde então, a RM tornou-se o padrão-ouro para treinamento médico, em todas as especialidades, e se disseminou em vários países.
HISTÓRICO DA IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMAS DE RESIDÊNCIAS MÉDICAS (PRM) NO BRASIL
1945 - o primeiro programa de Residência Médica foi instalado no serviço de Ortopedia, no então recém-inaugurado Hospital das Clínicas da FMUSP, em São Paulo.
1948 - o Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro (IPASE-RJ) cria e implanta diversos programas de residência em Clínica Médica, Pediatria e Cirurgia Geral.
1948 – implantação de programa de Residência Médica (PRM) no recém-fundado Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC - USP).
1960 – implantação de Programas de Residência Médica (PRM) em hospitais tradicionais, ligados a universidades de diversas regiões do país.
1970 – Expansão dos PRM em número de vagas e número de programas.
1977 – Criação da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) do Ministério da Educação (MEC) através do Decreto Lei Federal n 80.821 de 05/07/77.
1981 – Lei 6932 de 07/07/81 que dispõe sobre a atividade do médico residente e determina o uso do título apenas para os alunos de programas credenciados pela CNRM / MEC.
As Primeiras Residências para o ensino de Psiquiatria (PRP) instaladas no país foram: Instituto de Pensões e Aposentadorias dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (IPASE) em 1951; Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC - USP) em 1955; Hospital Franco da Rocha (HFR) em Juqueri, SP, em 1960.
Em 1961, Marcelo Blaya publicou os objetivos, a orientação e um programa de ensino pós-graduado de psiquiatria na Clínica Pinel, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O curso proposto, com duração de três anos, dedicava cerca de 6.000 horas a trabalhos práticos e 1.000 horas a seminários e supervisão individual e de grupo.
Em 1968 foi fundada a primeira Residência de Psiquiatria no Estado de Minas Gerais, no Hospital Galba Velloso, como resultado de um convênio entre a Fundação Estadual de Assistência Psiquiatrica (FEAP) e a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) a qual, na época, estava ligada à Universidade Católica de Minas Gerais. Essa residência foi estruturada e dirigida por Jorge Paprocki durante os dois primeiros anos de seu funcionamento (1968 e 1969). Em 1970 foi transferida para o Hospital Instituto Raul Soares da FHEMIG com nova direção.
REGULAMENTAÇÃO DOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIAS MÉDICAS (PRM)
No Brasil a regulamentação dos Programas de Residência Médica (PRM) teve início em 1977 com a criação da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM / MEC), que definiu a Residência Médica (PRM) como modalidade de ensino de pós-graduação, sob a forma de cursos de especialização. Os objetivos das residências médicas seriam o aperfeiçoamento do médico, em diferentes ramos da atividade. A sua principal característica seria o treinamento dos residentes, em serviços e instituições de saúde, universitárias ou assistenciais, sob orientação de profissionais qualificados. Cabe destacar dois aspectos: a iniciativa de regulamentação ocorreu cerca de 32 anos após a implantação das primeiras Residências Médicas e cerca de 26 anos após a implantação das primeiras Residências de Psiquiatria. O segundo aspecto é de que os órgãos como o Ministério da Saúde (MS), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) não tiveram e continuam não tendo qualquer participação nessa regulamentação. A seguir, estão enumeradas algumas medidas propostas para essa regulamentação:
1977 – Criação da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM / MEC), e regulamentação dos Programas de Residência Médica (PRM);
1979 – Adoção sistemática de credenciamento das Residências Médicas existentes em hospitais públicos e privados pelos CNRM / MEC;
1981 – Estabelecimento de atividades do médico residente nas residências com a determinação de 80% a 90% do tempo ser dedicado à atividade prática e 10% a 20% à atividades teóricas;
1983 – Adoção de requisito mínimo de 2 anos para Programas de Residência em Psiquiatria (PRP) pelo CNRM / MEC;
1989 – Estabelecimento de normas para obtenção do Título de Especialista em Psiquiatria “TEP” conferido pela ABP + AMB + CFM mediante avaliação através de prova organizada e efetuada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP);
2005 – Resolução 1.755/04 do CFM – obrigatoriedade de revalidação do TEP, de 5/5 anos - Criação da Comissão Nacional de Acreditação (CNA) que forneceria esse certificado de revalidação;
2010 –Programas de Residência Médica em Psiquiatria (PRP) passam a ter duração de 3 anos;
2012 – Anulada obrigatoriedade de revalidação de título de especialista (TEP), de 5/5 anos, pelo CFM.
SITUAÇÃO DOS MÉDICOS E DO ENSINO MÉDICO
Em 2004 o Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou o livro “O Médico e o seu Trabalho”. A publicação reúne informações acerca da qualificação, trabalho, remuneração e qualidade de vida do médico brasileiro. Foi resultado de uma pesquisa realizada em 2002, coordenada pelo CFM, com a colaboração da Associação Médica Brasileira (AMB), Conselhos Regionais de Medicina (CRM) e Sociedades de Especialidades. A pesquisa considerou um universo de 290.000 médicos, com 234.554 registrados no CFM. A amostragem da pesquisa consistiu de 14.405 médicos que responderam questionário disponibilizado na Internet.
O estudo informa o seguinte: a maioria dos médicos, isto é, 99,1% concluíram o curso de medicina no Brasil e 70,6% em escolas públicas. Apenas 61,6% frequentaram uma residência. Somente 66,5% possuíam Título de Especialista. Cerca de 14% concluíram mestrado e 6,8% possuem o título de doutor.
Esse relatório do CRM não menciona a qualidade do médico brasileiro, comparada com a qualidade dos médicos de outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
A avaliação dos conhecimentos e do desempenho dos médicos egressos das Faculdades de Medicina dos diferentes Estados do país nunca tinha sido realizada, em nenhum Estado, até esta época.
As primeiras tentativas de avaliação dos conhecimentos de médicos recém-formados, egressos de Faculdades de Medicina, foram realizadas no Estado de São Paulo, pelo Conselho Regional de Medicina (CREMESP). Essas provas, de caráter voluntário, aconteceram no período de 2005 a 2008. A prova tornou-se obrigatória em 2011 e 2012 e constava de 120 questões.
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Em 2011 houve reprovação de 46% dos formados
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Em 2012 houve reprovação de 54,5% dos formados
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No tópico Saúde Mental houve 65% de reprovações
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O CREMESP concluiu que ± 55% dos médicos recém-formados, egressos de Faculdades de Medicina do Estado de São Paulo, não tinham competência para exercer atividade médica.
Existe um número grande de órgãos e sistemas de regulamentação e de avaliação da qualidade do ensino no país:
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Exame Nacional de Desempenho do Estudante (ENADE);
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Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES);
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Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES);
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Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP).
Entretanto, alguns estudiosos do assunto, como Cláudio Moura e Castro e Gustavo Ioschpe, afimam que a qualidade do ensino superior tem piorado, de maneira apreciável, nas últimas décadas. Esse fato pode ser observado na área de Direito, com o número reduzido de aprovados na obtenção da certificação, nas provas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Na área de Psiquiatria, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) realiza prova de avaliação para psiquiatras que desejam obter o Título de Especialista em Psiquiatria (TEP). Entretanto, não divulga os resultados percentuais de aprovação. Os psiquiatras egressos de Residências (PRP) e que solicitam registro como especialista, nos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) não são submetidos a qualquer tipo de avaliação.
FALHAS APONTADAS NOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIAS MÉDICA
Um grande número de estudiosos do assunto apontam as seguintes falhas na dinâmica do ensino médico de pós-graduação:
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A situação esdrúxula na qual o CNRM / MEC regulamenta os programas de ensino, dos PRP, enquanto a ABP realiza as provas de avaliação e outorga o título de especialista;
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Não adequação da regulamentação e dos programas do PRP às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Associação Internacional de Psiquiatria (AIP);
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Falta de transparência dos PRP, quanto ao cumprimento dos programas do CNRM / MEC e também, falta de fiscalização efetiva por parte desse órgão;
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Falta de definição objetiva quanto à qualificação dos preceptores dos PRP;
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Falta de definição do perfil de docente desejável no ensino dos residentes;
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Ausência de exigências quanto à produtividade dos preceptores dos PRP;
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Ausência de fiscalização do desempenho dos preceptores nos PRP;
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Ausência de avaliação do desempenho dos residentes durante e ao final da residência;
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Os residentes, durante a residência não são preparados para a prova de obtenção do TEP, da ABP;
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O saber prático adquirido pelos residentes nos PRP não é valorizado, nas provas de obtenção do TEP da ABP;
As atividades das residências são impregnadas, frequentemente, pelo estilo e concepções pessoais dos coordenadores e dos preceptores e não pela programação dos PRP e as recomendações do CNRM / MEC.
Existe certa unanimidade por parte dos estudiosos do tema de que as principais razões (motivos) dessas falhas são as seguintes:
a) Os programas do CNRM / MEC, que regulamentam a atuação das Residências Médicas em Psiquiatria, foram elaborados e entraram em vigor em 1983. São consideradas defasadas e em desacordo com as normas da Associação Mundial de Psiquiatria (AMP) e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
b) As normas da CNRM / MEC são mal definidas nos seus aspectos pedagógicos. Esse fato permite que cada PRP adote um estilo de ensino peculiar, que visa metas diferentes: a residência da FMUSP valoriza o desenvolvimento da vocação para a carreira universitária e prepara para o mestrado e doutorado. A residência do Hospital do Servidor, de São Paulo, aspira o desenvolvimento de espírito crítico. A residência do Hospital Franco da Rocha, de São Paulo tenta capacitar o residente para trabalhar na rede pública. Existem algumas residências que procuram formar psicanalistas lacanianos.
c) Os trinta e quatro (34) PRP, existentes no Brasil, não divulgam em que medida e de que maneira são postas em prática as normas da CNRM / MEC, o que torna difícil a sua avaliação. Alguns estudos realizados mostram que as percentagens de atividades, sugeridas pela CNRM / MEC não são respeitadas em muitas residências. Não existem avaliações sistemáticas do cumprimento dos programas nas diferentes residências, por parte da CNRM / MEC.
d) Não existem normas da CNRM / MEC quanto à necessidade de avaliação do aproveitamento e rendimento dos residentes. Também não existem diretivas de que forma essa avaliação poderia ser realizada.
e) Os residentes não são avaliados, nem durante o curso, nem ao seu término. A simples frequência, sem nenhuma comprovação do aproveitamento, geralmente, é suficiente para a obtenção do Título de Conclusão da Residência.
f) Não existe uma definição clara, por parte da CNRM / MEC, acerca das qualificações acadêmicas dos preceptores. Em algumas residências, consideradas ilhas de excelência, a preceptoria é realizada por mestres e doutores. Em outras, é realizada por médicos que apenas concluíram uma PRP de dois anos. A produtividade acadêmica desses preceptores também não costuma ser avaliada nos moldes do que ocorre nos cursos de mestrado e doutorado.
CONCEITUAÇÃO DE PRECEPTORIA
As características dos preceptores dos PRP devem ser bem definidas e avaliadas, periodicamente, através de aferições de sua produtividade científica, através de publicações e apresentações de trabalhos em congressos, como ocorre com os professores vinculados à instituições que administram cursos para obtenção dos títulos de Mestre e de Doutor (PhD). Os docentes dessas instituições são fiscalizados pelo CNPQ e pelo CAPES de modo muito severo.
Vamos lembrar mais uma vez que o PRP, como definido pela CNRM / MEC, também é uma modalidade de ensino de pós-graduação. Essa atividade prática é ministrada por médicos que recebem o nome de “preceptores”.
O termo “preceptor” é definido pelo Dicionário Novo Aurélio, com muita propriedade, como “aquele que ministra preceitos ou instrução: mestre, mentor, instrutor e tutor”. No Webster’s New International Dictionary, na área de medicina, o termo indica “um médico graduado que propicia um treinamento prático a um estudante de medicina”. Na área de educação o termo indica “um membro da faculdade que orienta o estudo e as leituras de pequenos grupos de estudantes, através de reuniões periódicas, onde são discutidos temas de qualquer campo de atividade”. Todas essas práticas são realizadas por procedimentos que recebem o nome de “supervisão”. O dicionário Novo Aurélio Século XX bem como o Webster’s New International Dictionary definem o termo “supervisão” como a ação ou efeito de supervisionar. Por sua vez, este último termo é conceituado como “dirigir, orientar e inspecionar”.
Existe uma diferença conceitual entre professor e preceptor, suas características e seus papéis. O papel de um professor seria o de transmitir informações ao aluno. Um bom professor, além de transmitir informações, ensina o aluno a avaliar o significado, a importância e o alcance dessas informações, isto é, ensina a transformar as informações em “conhecimento”. Dentro desse contexto, o professor é uma pessoa que detém muitas informações e que tenta transmitir o seu saber ao aluno, assim como, procura adestrá-lo para procurar mais saber de maneira econômica e eficiente. O professor nem sempre sabe executar bem o que sabe e nem sempre sabe ensinar “como se faz” aquilo que ele ensina. A sua qualificação acadêmica de mestre ou doutor nem sempre o capacita para o desenvolvimento dessa habilidade: a de saber ensinar “como se faz”.
Quanto ao “preceptor”, o seu papel principal seria o treinamento prático, isto é, ensinar “como se faz”. A sua função é de ensinar ao aluno como se transforma os conhecimentos já adquiridos, em um conjunto de atitudes e habilidades dirigidas para a realização de tarefas específicas.
Para exemplificar: o professor ensina psicopatologia, psicofarmacologia e terapêutica. O preceptor ensina a coletar sintomas e inseri-los em um contexto psicopatológico, com a finalidade de obter um diagnóstico o qual, por sua vez, poderá levar a uma indicação terapêutica e à escolha de um medicamento adequado, depois, ensina como se administra esse medicamento.
Dentro desse contexto, um tópico pouco destacado é o aspecto, muito importante, da qualificação dos preceptores no que tange às suas atitudes e habilidades de saber e querer ensinar “como se faz”. Esta qualificação não depende apenas de sua titulação acadêmica e, sim, principalmente, da sua habilidade e seu desejo genuíno de transmitir aos residentes o que eles (preceptores) sabem fazer e o como fazer.
PROPOSTAS E SUGESTÕES
Em um artigo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, em 1999, “Residência Médica: competências mínimas e psiquiatria moderna”, o professor Hélio Elkis alerta e chama a atenção: “A psiquiatria tornou-se, nos últimos anos, uma especialidade de alta complexidade”. Comenta que, “neste sentido, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) estabelece as normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação, de stricto sensu, muito rigorosas: os professores desses cursos devem exibir produção científica e bons títulos. Os cursos são classificados a partir desta produtividade, que é avaliada anualmente. Apesar da residência ser também um curso de pós-graduação, em lato sensu, a CNRM age de forma diversa, não tendo estabelecido critérios bem definidos para avaliação dos currículos e produção científica dos preceptores e avaliação do desempenho dos residentes”.
“Em 2002, a WPA publicou o World Psychiatric Association Institutional Program on the Core Training Curriculum for Psychiatry. Nele, pela primeira vez, a WPA define recomendações mínimas para um currículo de especialização em psiquiatria, incluindo partes teóricas e práticas. Dentre estas, destacam-se uma duração mínima de três anos para residência em psiquiatria geral, em período integral e incluindo um mínimo de seis meses em neurologia e medicina interna; um mínimo de seis meses de estágios opcionais. O ensino deve englobar todas as idades do ciclo de vida do ser humano, com obrigatoriedade de estágios especiais em emergências psiquiátricas, abuso de álcool e drogas, reabilitação, psiquiatria forense e distúrbios do aprendizado.
CONCLUSÕES
A revisão da literatura acerca dos PRM em Psiquiatria e acerca das normas da CNRM evidencia, de maneira muito clara, que existe uma grande unanimidade de opiniões, por parte dos professores e preceptores de psiquiatria e por parte da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) quanto a múltiplas deficiências existentes.
A conclusão final de todos os avaliadores é de que os modelos de residências em psiquiatria, no Brasil, encontram-se defasados em relação à formação preconizada pela Associação Mundial de Psiquiatria (AMP) e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Concluem que impõe-se uma reestruturação dos PRP, com critérios a serem estabelecidos e regulamentados pela CNRM / MEC em conjunto com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:
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