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MEDICINA

A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL

DROGAS, FÁRMACOS E MEDICAMENTOS E SUAS CLASSIFICAÇÕES

 Postado em 03 de fevereiro de 2015

 

 

RESUMO

 

Conceito de droga fármaco, medicamento e remédio dentro da medicina ocidental. Desenvolvimento de medicamentos pela indústria farmacêutica multinacional. Oferta e consumo de medicamentos no mundo e no Brasil. Classificação de medicamentos, segundo a finalidade, em curativos, profiláticos, paliativos, sintomáticos e placebos. Classificação segundo a legislação vigente no Brasil, em originais, similares, genéricos e manipulados. Classificação segundo o direcionamento da propaganda e forma de comercialização, em populares e éticos. Classificação segundo a origem, em medicamentos que procedem de fontes naturais (vegetais, animais e minerais) e aqueles que são derivados de síntese química.


CONCEITO, DESENVOLVIMENTO, OFERTA E CONSUMO

O emprego de termos como drogas, fármacos, medicamentos e remédios, de maneira imprecisa, pode levar a algumas confusões e a interpretações errôneas. O emprego de uma terminologia adequada é indispensável para uma compreensão clara do tema.


Segundo o dicionário Novo Aurélio, século XXI, droga é uma palavra de origem controvertida e indica qualquer substância que se usa em farmácia ou tinturaria. Em medicina, este termo indica qualquer substância capaz de provocar alterações no organismo e que pode ser empregada no homem ou em animais com a finalidade de diagnóstico, tratamento ou prevenção de doenças. Na literatura médica inglesa, o termo “drug” é usado como sinônimo de fármaco, medicamento e remédio. Em português, o termo pode ser usado com o mesmo sentido e, também, para indicar substâncias alucionógenas ou estimulantes ilícitas, capazes de alterar o estado psíquico do usuário e lhe provocar sensações consideradas como agradáveis. Devido a essa amplitude de significados o termo pode ser fonte de mal entendidos.


Quanto ao termo fármaco, ele indica qualquer preparado ou produto farmacêutico. O termo é usado, habitualmente, na literatura médica brasileira, com a conotação de que se trata de uma substância química com propriedades terapêuticas ainda não definidas com precisão. Outra conotação é de que se trata de um princípio ativo, de qualquer origem, do qual poderão derivar medicamentos e remédios.


No que se refere aos termos medicamento e remédio, eles são considerados sinônimos e são definidos como indicando substâncias químicas, de origens variadas, capazes de aliviar sintomas ou mesmo curar algumas doenças ou enfermidades. Dentro da medicina ocidental oficial entende-se  que essas substâncias contêm um princípio ativo, com propriedades farmacológicas, terapêuticas e tóxicas bem conhecidas e definidas. Esse conceito não se aplica aos medicamentos chamados naturais ou aqueles que fazem parte das medicinas orientais e das chamadas medicinas alternativas cujos princípios ativos e mecanismos de ação, habitualmente, não são bem  conhecidos e definidos.


Para maior clareza, no presente texto, vamos evitar o emprego do termo droga e vamos empregar os termos fármaco, medicamento e remédio como foram conceituados acima.


 Os medicamentos empregados no presente foram desenvolvidos, em sua maioria, a partir do século XIX e, principalmente, na segunda metade do século XX. A maior parte desses fármacos, medicamentos e remédios foi descoberta em pesquisas realizadas por investigadores, freqüentemente, ligados e patrocinados por indústrias farmacêuticas as quais também tiveram origem a partir do início do século XX.


Segundo Falci (1), em 1976, em torno de 90% dos medicamentos existentes no mundo tinham sido desenvolvidos pela indústria farmacêutica multinacional, 9% em universidades e apenas 1% em laboratórios de pesquisa de indústrias governamentais ou estatais. Em 2001, estimava-se que 95% dos medicamentos existentes foram desenvolvidos por indústrias farmacêuticas multinacionais, 3% por universidades e 2% por órgãos estatais.


A indústria farmacêutica mundial oferece, atualmente, para o consumo uma grande variedade de produtos. David L. Cowen (2) listava, em 1990, no livro “Pharmacy”, 1.217 agentes terapêuticos classificados, segundo a finalidade, em analgésicos, anestésicos, anti-helmínticos, anticoagulantes, anti-convulsivantes, antidepressivos, antipsicóticos, anti-histamínicos, ansiolíticos, antivirais, antidiabéticos, coagulantes, diuréticos, enzimas, hemostáticos, hormônios, imunossupressores, ocitócicos, sedativos, soníferos, e muitos outros. No período de 10 anos compreendido entre 1992 e 2002 a indústria farmacêutica lançou 1.233 produtos novos. Cabe destacar que apenas 11 se destinavam ao tratamento de doenças tropicais.


A quantidade de medicamentos oferecidos para o consumo pela indústria farmacêutica varia, consideravelmente, de país para país. Em 1983 a Organização Mundial de Saúde (OMS), estimava que existiam perto de 15.000 na Grã Bretanha e na Espanha; 7.800 na França; 3.700 na Finlândia; 2.700 na Suécia  e 1.900 na Noruega.


No Brasil os dados acerca do número de fármacos e de medicamentos existentes sempre foram bastante imprecisos. Segundo Kucinski (3), em 1974 existiam no Brasil mais de 20.000 produtos sob a forma de 60.000 apresentações. Segundo Maria Helena Tachinardi (4) , em 1992, o mercado brasileiro dispunha de 6.000 produtos, sob a forma de 14.000 apresentações. Segundo essa autora esse número era semelhante ao existente naquele ano no Canadá, Japão e Suíça.


Segundo o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) do ano 2000/2001 (5), existiriam no Brasil 6.000 produtos com 9.000 apresentações. A mesma publicação, de 2001/2002 (6) registrava a existência de 7.000 produtos com 10.000 apresentações. Valemo-nos desses dados devido ao fato de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na época, ainda não tinha definido o número de fármacos e apresentações registrados, existentes no mercado brasileiro. Os Dicionários de Especialidades Farmacêuticas (DEF) a partir de 2003/2004, até hoje, passaram também a não informar o número de medicamentos anunciados.


A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimava, em 1985 que, para satisfazer 95% das necessidades de tratamento das enfermidades conhecidas, seriam suficientes 262 substâncias ativas, sob a forma de 379 apresentações. Caso se desejasse satisfazer 99% das necessidades médicas, seriam suficientes 350 princípios ativos, sob a forma de 500 apresentações. Segundo esse órgão, a circulação de um número elevado de medicamentos não repercute na melhoria da saúde dos habitantes. Ao contrário, o excesso desses produtos costuma provocar confusão em todos os níveis da área farmacêutica, médica e governamental. Em 1977 e 1979 a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou listas de medicamentos essenciais, que poderiam servir de base para que os diferentes países em desenvolvimento organizassem suas próprias listas, com o objetivo de limitar o número de medicamentos existentes nos seus respectivos mercados. Essa orientação raramente foi observada, na maior parte dos paises, assim como no Brasil.


O consumo desses medicamentos também varia de país para país, de acordo com muitas variáveis sócio-econômico-culturais. Segundo C. Benjamin (7) em 1989 o custo do consumo de medicamentos por habitante, por ano, apresentava-se como segue: Japão – US$ 111,00 dólares; EUA – US$ 94,00 dólares; Alemanha – US$ 90,00 dólares; França – US$ 80,00; Itália – US$ 58,00; Grã-Bretanha US$ 56,00 e Brasil – US$ 14,00 dólares. Em 1990 estimava-se que o consumo de medicamentos por habitante, por ano, era de US$ 150 dólares a US$ 400 dólares, nos países desenvolvidos  e de, aproximadamente, US$ 50 dólares no Brasil.


Esse consumo de medicamentos possibilitava, em 1990, um faturamento anual de US$ 200 bilhões de dólares em escala mundial por parte da indústria farmacêutica multinacional. O faturamento mundial, no ano 200 foi  de US$ 300 bilhões de dólares. Essas cifras dão uma boa idéia do tamanho e da alta taxa de crescimento da indústria farmacêutica multinacional.


Essas cifras também adquirem uma particular importância para a indústria farmacêutica multinacional, sediada em países em desenvolvimento, quando se sabe que, segundo estudos encomendados por empresas francesas, o bom desempenho econômico da indústria farmacêutica multinacional será garantido, no início do século XXI, pelo incremento de vendas nos países em desenvolvimento da América Latina e da Ásia. Nesses paises a medicina curativa ainda desempenhava um papel mais importante de que as estratégias preventivas já adotadas nos países desenvolvidos.


O Brasil era considerado em 2001 como o quarto mercado mundial, responsável por um faturamento anual próximo de US$ 11 bilhões de dólares. Essa cifra, ainda que impressionante, representa menos de 5% do faturamento mundial da indústria farmacêutica multinacional.


No Brasil todos os medicamentos eram produzidos, no ano 2000, por cerca de 485 indústrias farmacêuticas multinacionais, nacionais e estatais e por um número desconhecido de farmácias de manipulação. Eles eram entregues nas farmácias por 7.000 distribuidores. Sua venda, no varejo, era feita por perto de 55.000 farmácias. Isso significa que no Brasil existia uma farmácia para cada 3.000 habitantes. A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que basta uma farmácia para cada 10.000 habitantes.
 


CLASSIFICAÇÕES DE MEDICAMENTOS

Os medicamentos ou remédios podem ser classificados em função de vários critérios: a) de acordo com a finalidade com que são ministrados; b) de acordo com a legislação e regulamentação dos órgãos de vigilância sanitária; c) em função da exigência ou não de prescrição médica; d) em função do direcionamento de sua propaganda ou marketing; e) de acordo com sua origem.


A)   Segundo a finalidade com que são ministrados, os medicamentos podem ser classificados nas seguintes categorias: preventivos, curativos, paliativos, sintomáticos e os placebos.


Os medicamentos profiláticos ou preventivos podem prevenir doenças e são constituídos, sobretudo, pelas vacinas mas também, em circunstâncias especiais,  por alguns quimioterápicos e antibióticos.


Os medicamentos curativos são capazes de curar, definitivamente, uma pessoa com alguma doença, após o medicamento ser administrado durante um tempo determinado. São substâncias tóxicas para os diferentes germes, micróbios e parasitas que podem invadir o nosso organismo. Como exemplos cita-se os quimioterápicos, os antibióticos, os antiprotozoários e os antiparasitários.


Os medicamentos paliativos apenas normalizam algumas funções do organismo durante o período em que são administrados. Como exemplo podem ser mencionados os hormônios, os diuréticos, os antiinflamatórios, os antihipertensivos, os imunossupressores e alguns psicofármacos, como os antidepressivos e os  antipsicóticos.


Os medicamentos sintomáticos suprimem ou atenuam um sintoma o qual pode ser decorrente de diversas enfermidades. São exemplos desses medicamentos os antitérmicos, os analgésicos, os antitussígenos, os antidiarréicos e os anti-histamínicos e, entre os psicofármacos, os ansiolíticos e os soníferos. Em alguns casos é difícil estabelecer um limite preciso entre medicamentos paliativos e sintomáticos.


Os placebos constituem uma parcela considerável dos medicamentos industrializados, comercializados e consumidos. São remanescentes de uma época em que se conhecia muito pouco acerca de fisiologia, fisiopatologia e farmacologia e fazem parte, principalmente, das chamadas medicinas alternativas. Ainda são muito populares nas camadas menos informadas da população. Em ensaios controlados são empregados para aferir a eficácia de medicamentos, como elemento comparativo com os medicamentos ativos.


B)   Uma outra classificação de medicamentos pode ser feita levando em conta a legislação vigente, em função de uma lei de patentes, bem como em função das características dos estabelecimentos que os industrializam. Essa é a classificação que tem maior interesse para o propósito deste capítulo. Dentro desse enfoque, atualmente, no Brasil, podemos considerar a existência de quatro categorias de medicamentos: os originais ou de marca, os similares, os genéricos e os manipulados.


Os originais – são os medicamentos considerados inovadores ou de marca, lançados no mercado pela primeira vez, portanto inéditos. São medicamentos desenvolvidos e industrializados por empresas multinacionais. Em relação a eles, os seus fabricantes detêm direitos de patente. São comercializados e conhecidos, principalmente, pelos seus nomes de marca, ou nomes comerciais ou de fantasia e não pelo nome químico de seu princípio ativo. Sua eficácia foi testada tanto nos países de origem quanto no plano internacional, foi avalizada por órgãos de fiscalização desses países, como o Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos da América. No Brasil, essa eficácia foi aceita pela Antiga Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) ou pela atual Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), habitualmente, sem averiguações. Constituem-se em parâmetros de referência para os medicamentos genéricos. Exemplos: Lexotan® (Bromazepam), Tofranil® (Imipramina), Prozac® (Fluoxetina), Cipramil® (Citalopram) e Haldol® (Haloperidol).


Os Similares – são medicamentos apresentados, pelos seus fabricantes, como possuindo o mesmo princípio ativo, a mesma concentração, a mesma forma farmacêutica, a mesma via de administração, posologia e indicação terapêutica do medicamento original ou de referência. Eles começaram a surgir no Brasil a partir do governo de Getúlio Vargas e foram muito estimulados incentivados durante os governos militares, como resultado de uma política ingênua, para incentivar a indústria farmacêutica nacional. Podiam ser comercializados, até 1998, por sua denominação química ou com um nome comercial, de fantasia, sempre diferente do nome original do produto de referência. Entretanto, eles passaram a não ser considerados, pelos órgãos de fiscalização, como substitutos dos originais porque não foram submetidos aos testes de bioequivalência e biodisponibilidade, na ocasião em que foram registrados. A lei que institucionalizou a industrialização dos similares previa a realização de algum tipo de controle para esses produtos. Contudo, este controle nunca foi posto em prática. A sua comercialização era autorizada pela antiga Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) através de procedimentos meramente burocráticos. São resultados de uma época em que a Lei de Patentes para produtos farmacêuticos não era respeitada no Brasil. Essa lei somente voltou a vigorar e a ser respeitada no Brasil, a partir de 1996. A política de produzir medicamentos similares, clonados, com insumos baratos e nem sempre confiáveis, foi praticada em muitos países em desenvolvimento, durante muitos anos. Em alguns desses países, como a Espanha, México e Portugal, os similares foram eliminados, ao longo do tempo, através de restrições crescentes à sua comercialização. Pode se dizer que, atualmente, eles foram inteiramente banidos, em todos os países do primeiro mundo e na maioria dos países emergentes. Consta que, o seu número, no mercado brasileiro era de cerca de 15.000 no ano de 2000.


Apesar da lei 9.787 ou lei dos genéricos ter prometido o fim dos similares, em 1999, eles continuaram sendo produzidos até hoje. Em 2004 o ministro da saúde, Humberto Costa, prometeu o fim dos similares nos próximos 10 anos. Em 2005 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) cancelou o registro de 130 similares, o que é um número irrisório frente aos 15.000 existentes no mercado.


As razões da persistência da existência dos similares e dessas postergações são as seguintes: as indústrias que produzem similares não teriam como arcar com o onus dos testes de biodisponibilidade e bioquivalência, que garantem a qualidade dos genéricos. O Sistema Único de Saúde (SUS) que garante o seu abastecimento com 80% de similares não poderia arcar com o preço de medicamentos originais mais caros. O projeto das Farmácias Populares, do presidente Lula, seria inviabilizado. O polo industrial de Anápollis, Goiás, cuja produção consiste de 90% de remédios similares, provavelmente, teria que fechar as portas.


Dessa maneira o Brasil continua convivendo com medicamentos de baixa qualidade, destinados a abastecer a população de baixa renda e que são um remanescente do período em que não se respeitava patentes e no qual não havia controle de qualidade de medicamentos, o período da antiga e pouco operante Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS), isto é, o período compreendido entre 1976 e 1998.


Os Genéricos – a sua definição é a seguinte: remédio intercambiável com um medicamento original ou de referência e que foi lançado no mercado após o vencimento da patente do medicamento original. Para comprovar a sua intercambialidade, o medicamento genérico é submetido a dois testes: o de bioequivalência e o de biodisponibilidade. A bioequivalência informa que, na mesma dosagem, o genérico tem os mesmos efeitos do produto original. A biodisponibilidade informa que o genérico, na mesma concentração do produto de referência, tem a mesma velocidade e extensão de absorção pelo organismo. Esses testes permitem assegurar ao medicamento genérico sua intercambialidade com o medicamento inovador. Ou seja, através de estudos “in vitro” (equivalência farmacêutica) e estudos realizados “in vivo”, (bioequivalência), em voluntários sadios, verifica-se o desempenho do medicamento genérico. Assim o médico terá a garantia de que esse medicamento deverá apresentar o mesmo efeito terapêutico que é  obtido pelo produto original. Esse produto deve possuir o registro específico, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), deve ser apresentado em embalagem padronizada e nunca possuir um nome de fantasia. Ele deve ser comercializado, exclusivamente, pelo nome de sua substância ativa. Esses produtos costumam ser industrializados por empresas multinacionais e nacionais e os seus princípios ativos, nos dois casos, são importados de paises produtores de insumos.


Em fevereiro de 2000 foram lançados no Brasil os primeiros seis medicamentos genéricos. Em agosto de 2000 a relação dos genéricos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) continha 115 produtos, sendo apenas quatro psicofármacos: um hipnótico (zolpidem), um antiparkinsoniano (biperideno), um ansiolítico (diazepam) e um antidepressivo (fluoxetina). A revista Época, em seu número 141, de 29 de janeiro de 2001 noticiava que existiam 172 medicamentos genéricos, comercializados nas farmácias e 57 aguardavam aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Esse número representava 3,5% do mercado nacional de medicamentos. Em maio de 2001 havia 272 genéricos. Em agosto do mesmo ano, havia 338 genéricos, e em outubro de 2001, havia 390 genéricos. Desse total, apenas 14 eram psicofármacos: 8 antidepressivos, 5 ansiolíticos e 1 hipnótico. Em 2002 existiam no mercado 569 medicamentos genéricos.


O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP) e Escola Paulista de Medicina (EPM) publicou, em novembro de 1999, uma listagem completa dos medicamentos psicoativos registrados no Brasil e que continha todos os originais e similares existentes no mercado. O Sindicato dos Médicos do Estado de Minas Gerais (SINMED-MG) publicou também, em dezembro de 1999, um catálogo de medicamentos e denominações genéricas, que continha os nomes de medicamentos originais, similares e genéricos existentes no Brasil.


No que se refere aos medicamentos manipulados, trata-se daqueles produzidos por farmácias de manipulação, a partir de matéria-prima comprada de distribuidores estrangeiros ou nacionais, que a adquirem de indústrias de química fina, nem sempre devidamente registradas e fiscalizadas nos países de origem, ou pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.


O problema de controle de qualidade da matéria-prima que é utilizada para a industrialização de medicamentos genéricos e manipulados é considerado de grande importância, em todo o mundo. Em junho do ano de 2000 o Food and Drug Administration (FDA) foi criticado por não fiscalizar de maneira adequada as matérias-primas e as indústrias estrangeiras que produzem essas matérias-primas. Sabe-se que, nos Estados Unidos da América, cerca de 80% das matérias-primas, que servem para produzir medicamentos genéricos, são adquiridas no exterior e, frequentemente, da China. Sabe-se, também, que cerca de 2/3 das 6.030 indústrias que fabricam matérias-primas e as  exportam, para os Estados Unidos da América, nunca foram inspecionadas por fiscais do Food and Drug Administration (FDA). A desculpa do órgão é de um número insuficiente de fiscais. No painel em que esse assunto foi discutido, foi mencionado um antibiótico (gentamicina) como possível responsável por 17 mortes e um sem número de reações tóxicas. Esse antibiótico foi importado de uma empresa chinesa chamada Long March Pharmaceutical (Farmacêutica Grande Marcha). Essa empresa nunca foi inspecionada por fiscais do órgão de fiscalização americano. Se lá é assim, tememos pensar o que pode ocorrer entre nós. Não consta que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tenha condições de fiscalizar as empresas estrangeiras chinesas, indianas, israelenses, espanholas e alemãs que vendem matéria-prima para as indústrias nacionais que produzem genéricos no Brasil.


Vamos lembrar, mais uma vez, que os fármacos, no sentido de matérias-primas e insumos de medicamentos ou remédios, raramente são sintetizados e produzidos no Brasil. As indústrias farmacêuticas multinacionais importam as matérias-primas de suas matrizes, no exterior. Por sua vez essas indústrias não vendem matérias-primas para suas concorrentes. As indústrias farmacêuticas nacionais, grandes, médias e pequenas, bem como as farmácias de manipulação, ficam sujeitas a importar essas matérias-primas de produtores de outros países. Às vezes trata-se de países em desenvolvimento, que não adotam normas rígidas de controle de qualidade dos produtos de exportação.


As indústrias nacionais ficam sujeitas a adquirir fármacos ou matérias-primas apenas fundamentados em laudos, às vezes pouco confiáveis, dos produtores, exportadores e distribuidores dessas matérias-prima. A única garantia de que esses produtos são confiáveis seria uma análise rigorosa da matéria-prima, o que é essencial até para saber se o produto comprado é realmente o fármaco encomendado e não outro. Essa análise exige equipamentos e técnicas sofisticadas e muito caras que somente são, economicamente, viáveis quando seu custo é distribuído por grandes lotes. Isso inviabiliza o controle da matéria-prima por parte das indústrias farmacêuticas pequenas e pelas farmácias de manipulação, que não tem meios para arcar com essas despesas. Considerando esse conjunto de dados, pode-se julgar, no mínimo, bastante estranho que ainda existam médicos que prescrevem produtos manipulados, como afirma o professor Isaias Raw, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Fundação Butantã, de São Paulo.


C)   Uma outra maneira de classificar os medicamentos seria em função da forma como eles são prescritos e comercializados nas farmácias, isto é, se podem ser vendidos, livremente, no balcão, ou se a sua venda é regulamentada por uma legislação específica que exige prescrição ou receita médica. Os medicamentos que não exigem prescrição médica e são vendidos livremente recebem, nos paises de língua inglesa, o nome de “Over fhe counter drugs” (OCD) ou “drogas de balcão”. Nos paises do primeiro mundo, as drogas de venda livre abrangem os produtos populares, sintomáticos e os placebos. Os medicamentos que exigem prescrição médica, habitualmente, compreendem os remédios curativos, os paliativos e, às vezes, os sintomáticos. Nos paises do terceiro mundo ou nos chamados paises emergentes, a prática costuma ser diferente. Nesses paises, ainda que exista uma legislação que regulamenta a venda de medicamentos sujeitos a prescrição médica, essa lei é, usualmente, ignorada por pacientes, farmacêuticos e fiscais da vigilância sanitária. Essa é a situação do Brasil onde, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1990, cerca de 70% dos medicamentos comercializados nas farmácias eram vendidos sem prescrição médica, com exceção dos psicofármacos e alcalóides de morfina.


D)   De acordo com o direcionamento de sua propaganda ou marketing, os medicamentos eram divididos, até um passado recente, em drogas éticas e não éticas. Os remédios éticos seriam aqueles cuja propaganda era feita, apenas ou exclusivamente, junto à classe médica, por promotores da indústria farmacêutica e em publicações ditas científicas. Os medicamentos chamados de não éticos ou produtos populares seriam aquelas cuja divulgação e marketing eram dirigidos para os balconistas das farmácias e, principalmente, para o público leigo. Atualmente, esses termos estão sendo cada vez menos usados já que se torna cada vez mais claro, para todos, que ética é algo que envolve conceitos muito mais complexos, profundos e sérios que o simples direcionamento da divulgação ou da propaganda dos medicamentos.


E)   No que se refere a sua origem, atualmente, no século XXI, os medicamentos ou remédios existentes podem ser divididos nas seguintes categorias:


Cerca de 60% dos medicamentos industrializados são resultado de síntese química. Cerca de 40% de medicamentos são de origem natural, subdivididos com 25% de origem vegetal; 13% tem origem em microorganismos; 1,5%, de origem animal e, aproximadamente, 0,5% de origem mineral. Bons exemplos de medicamentos de síntese química são as sulfas, os barbitúricos, as fenotiazinas e os benzodiazepinicos. Exemplos de medicamentos de origem vegetal são os digitálicos que compreendem cerca de 13 glicosídeos derivados da Digitalis purpúrea e da Digitalis lanata, que são plantas ornamentais. Dois outros exemplos são a reserpina, alcalóide derivado da Rauwolfia serpentina e a morfina, alcalóide derivado do ópio, retirado das papoulas do gênero Papaver.  Um exemplo clássico de medicamento derivado de microorganismos é o antibiótico penicilina, derivado do fungo Penicillium notatum. Como exemplos de medicamentos de origem animal podemos mencionar a insulina, retirada de pâncreas bovino e suíno e os novos antihipertensivos derivados da bradicinina, a partir do veneno da jararaca. Um bom exemplo de medicamento de origem mineral é o lítio, usado em psiquiatria, sob a forma de carbonato, como estabilizador de humor no tratamento dos transtornos bipolares.


Aqui cabe deixar bem claro que, quando tratamos de medicamentos ou remédios de origem natural, vegetal, animal ou mineral estamos nos referindo a produtos que contêm princípios ativos ou fármacos, devidamente testados, através de ensaios pré-clínicos e clínicos, com o emprego de metodologia de pesquisa consagrada, dentro de padrões científicos aceitos internacionalmente, com eficácia clínica devidamente comprovada e com estudos adequados e completos quanto à sua toxicidade. Trata-se de produtos industrializados por empresas farmacêuticas respeitáveis e devidamente licenciados por órgãos de vigilância, também respeitáveis, como o Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos da América ou outros equivalentes do Reino Unido, Suécia ou Suíça.  Estamos dando destaque a essa explicação para evitar qualquer confusão entre esses produtos da medicina oficial e aqueles produtos chamados de medicamentos naturais, ou fitoterápicos quando de origem vegetal, que são produzidas por farmácias de manipulação ou por pequenas e médias indústrias farmacêuticas nacionais. Esses últimos podem ser considerados como remanescentes da etapa empírica da história dos medicamentos.


Ao longo dos anos 1998 e 1999 o mercado e o consumo de medicamentos de origem natural da medicina ocidental oficial pode ser considerado bastante apreciável, já que ocupa perto de 10% do faturamento, tanto no plano mundial quanto no plano nacional. No plano mundial, dentro de um faturamento global de 300 bilhões de dólares, o nicho ocupado por esses medicamentos é da ordem de US$ 30 bilhões de dólares. Dentro desse nicho o peptídeo bradicinina, derivado do veneno da jararaca e usada como antihipertensivo, é responsável por um faturamento de US$ 4 bilhões de dólares. Dados recentes indicam que em um período de, aproximadamente, 10 anos, entre 1983 e 1994, o Food and Drug Administration (FDA), aprovou em torno de 200 medicamentos derivados, diretamente ou indiretamente, de substâncias de origem natural, especialmente, em áreas relacionadas ao tratamento do câncer e doenças infecciosas. No Brasil, com um mercado anual de US$ 11 bilhões de dólares, os medicamentos de origem natural já são responsáveis por um volume de vendas próximo  de US$ 1 bilhão de dólares.


Considerando que a colocação de um medicamento de origem vegetal no mercado costuma ser menos onerosa que o desenvolvimento de uma substância de origem sintética e considerando também que, no Brasil, existem perto de 60.000 espécies vegetais, o que representa 1/6 das 360.000 espécies vegetais existentes no mundo, pode-se presumir que o desenvolvimento de pesquisas nessa área pode ser considerado bastante promissor.


A partir de 1997 existem já algumas parcerias de indústrias farmacêuticas como os Laboratórios Byk e Aché, que estão financiando pesquisadores da Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), visando o desenvolvimento de medicamentos a partir de plantas, dentro de padrões científicos aceitos internacionalmente. Em 2002 foi noticiada, na imprensa, a existência de uma equipe composta pelo médico Drauzio Varela, pela farmacêutica Ivana Sufredini e pelo botânico Alexandre Adalardo de Oliveira, que realizou um estudo para triagem de extratos de plantas ativas contra células tumorais. O grupo é patrocinado pela Universidade Paulista (UNIP) e tem apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A equipe existe desde 1995 e dispõe de um laboratório, um herbário com 5000 plantas e um barco para viagens de coleta, no Rio Negro, na região Amazônica.

 

 

FONTES CONSULTADAS:

 

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  • Caça ao Tesouro. Isto É. Grupo de comunicação Três, São Paulo, SP. 24 de Abril, 2004

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  • Cowen, D.L. & Helfound, W.H. Pharmacy - an illustrated history Harry N. Abrams inc. Publishers, N.Y., USA, 1990.

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  • Falci, M. Novas Drogas. A Folha Med., 72 (1): 87-90, jan/1976

  • Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio - Século XXI. Editora Nova Fronteira S.A., Rio de Janeiro, RJ, 1999

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  • Peters, Georges. Medicamentos: Pelo uso racional. O Correio da Unesco - Ano 15, nº 10, outubro 1987

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  • Tachinardi, Maria Helena. A guerra das patentes. Editora Paz e Terra, São Paulo, SP, 1993

 

 

TABELAS:

NÚMERO DE MEDICAMENTOS EXISTENTES NO BRASIL

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