
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTOS ORIGINAIS
Postado em 10 de março de 2015
RESUMO
Origem dos medicamentos. O papel da indústria farmacêutica multinacional no desenvolvimento de medicamentos inovadores. Estratégia e fases de pesquisa para o desenvolvimento de medicamentos. Custos do desenvolvimento e investimento em pesquisa por parte da indústria. A fiscalização e o patenteamento. A pesquisa de medicamentos como atividade de alto risco. Repercussões desse conjunto de fatores sobre o preço dos medicamentos.
ORIGEM E OFERTA DE MEDICAMENTOS
No que se refere a sua origem, atualmente, no século XXI, os medicamentos ou remédios existentes e usados pela medicina ocidental, podem ser classificados nas seguintes categorias: cerca de 60% dos medicamentos industrializados são resultados de síntese química e mais ou menos 40% de medicamentos são de origem natural. Estes últimos podem ser divididos da maneira que segue: 25% de origem vegetal, 13% originados a partir de microorganismos, 1,5% de origem animal e, aproximadamente, 0,5% de origem mineral.
Ao longo do século XX e XXI, a descoberta de novos fármacos deveu-se, principalmente, às indústrias farmacêuticas multinacionais. Segundo Falci (3), em 1976, em torno de 90% dos medicamentos existentes tinham sido desenvolvidos pela indústria farmacêutica multinacional, 9% em universidades e apenas 1% em laboratórios de pesquisa governamentais ou estatais. No ano 2004 estimava-se que 95% dos medicamentos tinham sido desenvolvidos pela indústria farmacêutica multinacional, 3% por órgãos estatais e 2% por universidades.
No período de 1990 a 1992 a indústria farmacêutica multinacional desenvolveu e lançou no mercado cerca de 1.217 produtos o que resultou em uma média de 13 produtos por ano, em um período de cerca de 90 anos. Nos 10 anos seguintes, durante o período de 1992 a 2002 houve o lançamento de 1.233 produtos o que resulta em uma média de cerca de 123 medicamentos lançados a cada ano. Esses números dão uma ideia do crescimento da indústria farmacêutica bem como do abarrotamento do mercado de medicamentos nem sempre eficientes e necessários. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) um número de 350 princípios ativos seria suficiente para atender 99% das necessidades de tratamento de enfermidades, em 1985.
O DESENVOLVIMENTO DE MEDICAMENTOS ORIGINAIS
O processo de desenvolvimento de drogas novas, originais, tem início em laboratórios de química onde os princípios ativos, de fontes naturais, são identificados e onde moléculas novas, de drogas sintéticas, são construídas. Essa primeira etapa pode durar em torno de 5 anos e envolver o estudo de 5.000 a 10.000 substâncias para se chegar à cerca de 250 fármacos promissores e que passarão a ser estudados na fase seguinte. Nessa segunda etapa, de ensaios pré-clínicos, também chamados de pesquisa ou farmacologia animal, essas drogas são avaliadas para que sejam identificadas suas propriedades farmacológicas, farmacocinéticas, tóxicas, e potencial teratogênico. Trata-se de ensaios realizados em laboratório com animais de várias espécies e que podem durar de 2 a 5 anos. Após essa etapa são realizados ensaios clínicos com seres humanos. Por razões práticas esse último procedimento foi dividido em várias fases, chamadas de Fase I, II, III, IV, ainda que sua delimitação não seja muito rígida. A fase I ou fase de farmacologia humana pode durar de 1 a 2 anos sendo realizada em 20 a 40 voluntários sadios, não portadoras de patologia para o qual o produto é indicado. Essa fase compreende estudos de farmacodinâmica e farmacocinética, e de toxicidade no organismo humano. A rigor essa fase destina-se a aferir se as características e propriedades do produto identificadas no ser humano, são as mesmas que foram detectadas na fase de experimentação animal. Trata-se de uma observação aberta, não cega. A fase II, também chamada de fase de farmacologia clínica, pode durar mais ou menos 2 anos e compreende o estudo de 100 a 300 pacientes, portadores da patologia para a qual o fármaco é destinado. A meta dessa fase é realizar estudos de eficácia, de posologia e de segurança, no que se refere a efeitos colaterais e tóxicos. A finalidade principal dessa fase é a de aferir se um fármaco, que possui determinadas propriedades farmacológicas no animal e no homem, também possui propriedades terapêuticas, bem como de verificar se esse fármaco é bem tolerado. Os estudos dessa fase, habitualmente, são abertos, mas podem contar com grupos controle. A substância estudada é comparada com placebo ou com outra substância ativa de referência. A fase clínica III, também chamada de investigação clínica, abarca grupos de 1.000 a 4.000 pacientes e pode demorar de 3 a 4 anos. Trata-se de estudos controlados com placebo, duplo-cegos, multicêntricos, que visam aferir se os achados encontrados na fase anterior são confirmados em grupos maiores. A meta principal é a de aferir se a droga é eficaz e bem tolerada em grupos grandes de pacientes e, portanto, a chance de seu desempenho na população em geral. Após a fase III a documentação é encaminhada ao órgão de fiscalização do país onde o produto será lançado, onde é aferida a exatidão e veracidade dos dados encontrados nos ensaios. Esse último procedimento, geralmente, demora de 2 a 4 anos mas existem exceções nos dois sentidos, isto é, de ampliação ou de encurtamento do prazo, como ocorreu com o AZT, a primeira droga eficaz para o tratamento da “AIDS”, que foi liberada em cerca de três meses pelo “Food and Drug Aministration" (FDA), agência de controle de medicamentos nos Estados Unidos da América. Depois de aprovada pelos órgãos de fiscalização a droga é industrializada em grande escala e lançada no mercado consumidor, geralmente precedida e acompanhada de estratégias promocionais muito agressivas. A partir desse momento considera-se a realização de estudos clínicos ampliados, de fármaco vigilância, a muito longo prazo e que abarcam um número muito grande de pacientes. Trata-se da fase IV. São estudos abertos que visam à aferição de efeitos colaterais raros e graves, que ocorrem em uma proporção muito pequena, de 1 para cada 1.000 pacientes; o estudo de interações medicamentosas em tratamentos combinados; a possibilidade de desenvolvimento de dependência ou de perda de eficácia terapêutica e, por fim, a possibilidade de encontro de novas aplicações terapêuticas, além daquelas para as quais o produto foi destinado, quando do seu lançamento. Esse último fato ocorreu, recentemente, com o antidepressivo bupropiona (Zyban® e Wellbutrin®) que mostrou certa eficácia na redução de sintomas de abstinência de nicotina, nos fumantes que deixaram de fumar. Ocorreu também, mais recentemente, em 2002 com o produto orlistat (Xenical®) lançado há alguns anos como redutor de peso e aprovado, recentemente, como tratamento complementar para o diabetes tipo 2.
O CUSTO E O TEMPO DE DESENVOLVIMENTO DE UM FÁRMACO
O desenvolvimento de novos princípios terapêuticos envolve, atualmente, custos cada vez maiores, pois tais princípios devem preencher requisitos cada vez mais rigorosos, não só quanto à eficácia e especificidade mas também no que se refere à tolerância e segurança. Esses requisitos são observados, não apenas por uma fiscalização muito rigorosa, por parte dos órgãos governamentais de alguns países, mas sobretudo, são controlados pelo próprio regime de competição que caracteriza o sistema capitalista. Em outras palavras, só terão oportunidade no mercado, a médio e a longo prazo, os medicamentos que, realmente, se mostrarem superiores aqueles já existentes.
Estimava-se que o investimento para a pesquisa de uma droga nova era da ordem de US$ 5 milhões de dólares, em um período de 2 anos, em 1960. De cerca de US$ 20 milhões de dólares em um período de 5 anos, em 1970. A “Pharmacentical Manufactures Association” (PMA) dos Estados Unidos da América calcula que, em 1976, o desenvolvimento de um fármaco novo custava US$ 54 milhões de dólares. Esse custo em 1982 era de US$ 87 milhões de dólares. Em 1987 o custo ampliou-se para US$ 125 milhões de dólares. Em 1990 estimava-se que o custo para desenvolver uma nova molécula era de US$ 350 milhões de dólares e os custos dos estudos pré-clínicos e clínicos eram de US$ 230 de dólares, em um período de 14 anos de pesquisa. No ano de 2000 o desenvolvimento novo custava US$ 600 de dólares em um período de 16 anos. Essas cifras, geralmente, fornecidas pelas indústrias farmacêuticas multinacionais, sempre foram olhadas com reserva pelos governos e pela comunidade médica. Sempre houve a suspeita de que essas indústrias exageram seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P & D), para justificar os preços elevados de seus produtos e a necessidade de ressarcimento rápido de seu investimento.
O investimento global, em pesquisa, por parte da indústria farmacêutica multinacional era estimado, em 1980, como sendo da ordem de US$ 2 bilhões de dólares por ano. Em 1985 essa estimativa era de US$ 4 bilhões de dólares. Em 1990 considerava-se um investimento de US$ 8 bilhões de dólares. Em 1995 seria de US$ 15 bilhões. No ano de 2000 teria sido de US$ 26 bilhões e, em 2001 a estimativa era de US$ 30 bilhões de dólares por ano. Em 2002, a mega empresa resultante da fusão da Pfizer e da Pharmacia estava anunciando um investimento anual em pesquisa, da ordem de US$ 7 bilhões de dólares e a Glaxo Smith e Kline um investimento de US$ 3 bilhões de dólares. Essas cifras correspondem, aproximadamente, a 15% do faturamento global anual, o que coloca esse setor de produção entre aqueles que mais investem em pesquisa e desenvolvimento (P & D), como as indústrias aeronáutica e a petroquímica. Consta que a indústria de comunicação e a automotiva investem em pesquisa apenas 5% de seu faturamento.
As indústrias farmacêuticas sabem que a inversão em investigação (P & D) é muito rentável sob dois aspectos: o de dar prestígio à empresa e o da possibilidade de encontrar um produto útil e, portanto comercial, isto é, vendável e rentável. Essas grandes empresas e somente elas, são as que dispõem de formidáveis recursos financeiros, necessários a investigações dirigidas, pois reúnem equipes valiosas, constituídas por pesquisadores competentes, dispostos a renunciar às suas preferências e interesses pessoais, para se dedicarem a temas propostos pela empresa. Mais de 2% dos empregados desse setor exercem funções de pesquisa, proporção essa idêntica à registrada em áreas como eletrônica e aeronáutica.
OS RISCOS DO INVESTIMENTO EM PESQUISA E AS PATENTES
Os preços elevados de produtos farmacêuticos inovadores, visam amortizar, o mais rapidamente possível, o investimento feito em pesquisa. A sobrevivência do produto está condicionada ao prazo da patente concedida e ao risco do provável aparecimento de um produto concorrente, melhor que aquele que está sendo pesquisado, ou que foi lançado recentemente.
As patentes concedidas para os medicamentos variam de país para país. Nos Estados Unidos da América costumam ter a validade de 20 anos. Ocorre que o tempo que transcorre para obter a aprovação da droga para comercialização costuma ser cada vez mais longo. O “Food and Drug Administration” (FDA), frequentemente, demora de 2 a 4 anos para liberar a droga, e esse prazo pode prolongar-se por até 8 anos o que encurta, substancialmente, o prazo total da vigência da patente. Em alguns casos ocorre que, quando o produto é aprovado a patente já expirou. Esse estado de coisas tem levado a indústria farmacêutica multinacional a queixar-se dos excessos de rigor das agências reguladoras e fiscalizadoras, enquanto essas, por sua vez, estabelecem normas cada vez mais rígidas, usando o argumento irrefutável da defesa da segurança da comunidade que consome os medicamentos.
Mesmo após esses cuidados de pesquisa e de fiscalização antes do lançamento comercial da droga, ainda existem riscos do aparecimento de efeitos colaterais graves, após a comercialização e que podem ser detectados apenas através de estratégias de farmacovigilância, que existem em muitos países desenvolvidos. Foi o que ocorreu com o Lipobay®, medicamento usado para controle de colesterol. Em agosto de 2001 o medicamento foi retirado do mercado. Em janeiro de 2002 a indústria Bayer reconheceu que o medicamento pode ter sido responsável por acarretar cerca de 100 óbitos. Os prejuízos de um acidente desta ordem são imensos e fazem parte dos fatores de risco para o cálculo do preço final dos medicamentos.
Nos Estados Unidos da América e em outros países desenvolvidos, a partir de 1984, o processo de aprovação de medicamentos genéricos, passou a ser mais simples, mais rápido e mais barato que o de uma droga inovadora. Bastava que a indústria responsável pelo medicamento genérico demonstrasse a sua bioequivalência e biodisponibilidade em relação ao produto de marca, com a patente vencida. Esse processo, que depende de testes mais simples, de custo relativamente reduzido, demorava poucos meses e não anos, como no caso do registro dos produtos originais. Esse último procedimento foi adotado no Brasil apenas no ano 2000 em relação aos genéricos, após a entrada em vigor da Lei 9.787 ou Lei dos Genéricos. Isso ocorreu quatro anos após, a Lei das Patentes, de 1996. Essa lei restabeleceu a proteção para os fármacos inovadores que tinha sido abolida, a partir de 1969, pelos governos militares. O conjunto dessas medidas pode tornar os medicamentos genéricos mais baratos que os de marca, sem que haja perda de qualidade, nos países onde os órgãos de fiscalização são confiáveis.
No Brasil, em um período de quase 25 anos, compreendido entre 1969 e 1996, durante o qual não se reconhecia patentes de produtos farmacêuticos, houve uma grande proliferação de produtos chamados similares. Esses produtos eram cópias ou clones de produtos de marca, que eram aprovados pelos órgãos de fiscalização nacionais sem uma comprovação efetiva de sua qualidade e eficácia. O procedimento de liberação desses produtos costumava ser meramente burocrático. De uma maneira geral esses produtos eram fabricados por pequenas e médias empresas nacionais e eram comercializados por preços menores que os produtos originais. A rigor, eram produtos piratas, copiados de produtos de marca, em uma época em que não era observada uma lei de proteção patentária. Esses produtos eram manufaturados com matéria-prima nem sempre confiável, às vezes de origem duvidosa e eram fiscalizados por uma vigilância sanitária bastante precária.
Assim, o elevado custo inerente ao desenvolvimento de princípios terapêuticos, a lenta e problemática amortização desses custos e a necessidade de um trabalho de equipe altamente especializado e caro, fazem da pesquisa farmacológica uma atividade que envolve grandes riscos financeiros, que nunca poderiam ser assumidos, em sã consciência, por um organismo estatal ou universitário, como afirma o professor Ernest Chain, Prêmio Nobel de Medicina. Mencionamos, a propósito, o fato de que nenhum princípio ativo de real valor teve origem nos países socialistas, onde a indústria farmacêutica era estatizada e os investimentos em pesquisa eram controlados pelo governo.
FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:
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Buchalla, A.P. A era dos super-remédios. Veja, Editora Abril – Ed. 1757 – 26 de junho de 2002.
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Healy, D. The Anidepressant Era. Harvard University Press, USA, 2000.
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Paprocki, J. O faz de conta da chamada Lei dos Medicamentos Genéricos. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, Ano IV, Nº 12, março de 2000.
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Zanini, A.C. Falsificação, má qualidade, informação enganosa. Médicos, HC. FMUSP. Ano 1 Nº 4, set/out. 1998.
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A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
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