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DA IMIPRAMINA AOS ANTIDEPRESSIVOS DUAIS

Postado em 15 de janeiro de 2015

 

 

Publicado na Revista Dialética – Psiquiatria, ciência e experiência clínica. Edição comemorativa dos 50 anos de fundação do Centro de Estudos Galba Velloso. Dezembro de 2014. Dowload disponível em: http://cegv.com.br/revista_dialetica/

 

 

Jorge Paprocki

Psiquiatra pela ABP / AMB / CFM

Membro Emérito da Academia Mineira de Medicina

Membro Fundador da Associação Brasileira de Psiquiatria

 

 

 

CLASSIFICAÇÕES, EVOLUÇÃO E PREVALÊNCIA DAS DEPRESSÕES


A Classificação Internacional de Doenças (CID 10), de 1992, menciona como transtornos depressivos o Episódio Depressivo (F 32), o Transtorno Depressivo Recorrente (F 33) e a Distimia (F34.1) (1). O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) de 1994, menciona como Transtornos Depressivos o Transtorno Depressivo Maior Episódio Único (292.2x), o Transtorno Depressivo Recorrente (292.3x) e o Transtorno Distímico (300.4) (2). Essas duas classificações procuram conceituar esses transtornos a partir de um agrupamento de sinais e sintomas e são um pouco mais objetivas que as classificações anteriores como o CID 9, de 1975, e o DSM III, de 1980.


No Transtorno Depressivo, Episódio Único, o paciente apresenta um quadro que pode ser leve, moderado ou grave e que pode evoluir de três modos: apresentar remissão espontânea; submetido a tratamento farmacológico pode melhorar e não apresentar recaídas ou recorrências; pode não responder ao tratamento e configurar um quadro resistente ou refratário a tratamento farmacológico. Somente 15% dos deprimidos apresentam um episódio único ao longo da vida. O Transtorno Depressivo Recorrente se apresenta com sintomas que podem ser leves, moderados ou graves e que apresenta recaídas e recorrências ao longo do tempo, com ritmo variável. Cerca de 85% dos deprimidos apresentam episódios múltiplos: após o primeiro episódio 50% dos pacientes, após o segundo episódio 85% e após o terceiro episódio 100% dos pacientes costumam apresentar recaídas e recorrências. Quando existe história de tratamentos anteriores, interrompidos precocemente, os episódios seguintes poderão ser mais graves, mais longos e mais resistentes ao tratamento (3).


A prevalência aproximada das depressões na população geral, dos Estados Unidos da América, é da ordem de 6,6% em um ano e de 16,2% ao longo da vida. No plano internacional, os estudos realizados em 14 países, mostraram uma prevalência mediana acima de 10%. Em pacientes com infarto recente a prevalência chega a 33% e em portadores de câncer alcança 47%. Em pacientes internados, por qualquer doença física, varia de 22% a 33%. A prevalência da depressão é duas vezes maior em mulheres. Em filhos, com um dos pais ou com ambos os pais deprimidos e nos idosos atinge um percentual de até 35% (3,4,5).
 


HISTÓRICO DO LANÇAMENTO DE ANTIDEPRESSIVOS


A descoberta de substâncias com propriedades antidepressivas ocorreu na segunda metade da década de 1950. A primeira dessas substâncias foi a imipramina (Tofranil) identificada e estudada por Roland Kuhn e lançada no mercado internacional pela indústria farmacêutica Geigy, em 1958. Esse fato precipitou, por parte de algumas indústrias farmacêuticas, o lançamento de uma pletora de produtos com estrutura química e propriedades semelhantes às da imipramina. Esses produtos foram agrupados sob o nome comum de antidepressivos heterocíclicos, que englobam os tricíclicos e os tetracíclicos (6,7,8).


Os antidepressivos tricíclicos foram agrupados, de acordo com a sua estrutura química, em aminas terciárias (imipramina, amitriptilina, trimipramina, clomipramina, doxepina) e aminas secundárias (desipramina, nortriptilina, protriptilina). Os tetracíclicos são constituídos por dois produtos: a mianserina e a amoxepina (7,8).


Paralelamente aos antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos, na década de 1960, houve, também, o desenvolvimento de antidepressivos com um mecanismo de ação peculiar: os inibidores de monoaminoxidade (IMAO). A sua história tem início em 1951, com o emprego de isoniazida (hidrazina do ácido isonicotínico) como tubérculostático e com a constatação de um efeito euforizante nos usuários. Em 1952, Zeller e colaboradores relataram que a isoniazida agia como inibidor da enzima monoaminoxidase mitocondrial. Em 1959, Brodie e colaboradores confirmaram um aumento das concentrações cerebrais de serotonina e de noradrenalina, subsequente a administração de iproniazida, derivada da isoniazida. Esses achados promoveram, por parte das indústrias farmacêuticas, o lançamento de produtos como a nialamida e a tranilcipramina e, muito mais tarde, a moclobemida. Os inibidores da monoaminoxidase irreversíveis são produtos muito tóxicos e podem provocar efeitos colaterais significativos: necrose hepatotóxica, neuropatias, crises hipertensivas graves pela interação com simpaticomiméticos e alguns alimentos. Devido a esses efeitos, os IMAO tiveram sucesso pequeno, por um período de tempo reduzido e, atualmente, somente são empregados em situações especiais de refratariedade a tratamentos convencionais, com antidepressivos heterocíclicos, ISRA e DUAIS. Os IMAO reversíveis, como a moclobemida, não apresentam esses inconvenientes (7,8).


Durante cerca de 28 anos, período compreendido entre 1958 e 1986, os antidepressivos heterocíclicos e os inibidores de monoaminoxidase irreversíveis constituíram-se nas únicas classes de medicamentos com propriedades antidepressivas (7).


Uma segunda etapa da história dos antidepressivos teve início em 1986, com o lançamento da fluoxetina (Prozac) pela indústria farmacêutica Lilly. Essa substância marcou o início de uma nova etapa de lançamento de antidepressivos chamados de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Os antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) são representados pelos seguintes produtos: fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, sertralina, citalopram e escitalopram (7,8).


Uma terceira etapa da história dos antidepressivos teve início em 1994, com o lançamento da venlafaxina (Efexor®) pela indústria farmacêutica Wyeth. Essa substância foi a precursora do grupo de antidepressivos chamados DUAIS. Trata-se, a rigor, de inibidores seletivos de duas aminas: a serotonina e noradrenalina (5 HT + NA) como ocorre no milnaciprano, duloxetina, mirtazapina, ou de serotonina e dopamina (5 HT + DA) como ocorre na bupropiona (7,8).

 

 

CLASSIFICAÇÃO E MECANISMOS DE AÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS

 

Classificação
Os antidepressivos podem ser classificados de acordo com a estrutura química ou com as suas propriedades farmacológicas. A estrutura cíclica (anéis benzênicos) caracteriza os antidepressivos heterocíclicos (tricíclicos e tetracíclicos). Os ADTs se dividem em dois grandes grupos: as aminas terciárias (imipramina, amitriptilina, trimipramina e doxepina) e as aminas secundárias (desmetilimipramina, nortriptilina e protriptilina). Mianserina e amoxapina são antidepressivos tetracíclicos. As características farmacológicas da maprotilina se assemelham aos ADTs e ela apenas simula uma estrutura tetracíclica (8).


Os antidepressivos são classificados, preferencialmente, em função da ação farmacológica, mais útil na prática clínica. Isto porque os antidepressivos de nova geração não compartilham de estruturas químicas dos heterocíclicos. Atualmente podemos dividi-los de acordo com o mecanismo de ação proposto, quando aumentam a eficiência sináptica da transmissão monoaminérgica. Os medicamentos antidepressivos produzem aumento na concentração de neurotransmissores na fenda sináptica através da inibição do metabolismo, bloqueio de recaptura neuronal ou atuação em autorreceptores présinápticos (8).
 

Mecanismos de ação:
O mecanismo de ação dos IMAOs foi pouco estudado e ainda não está totalmente esclarecido. Sabe-se que neles a atividade da enzima monoaminoxidase (MAO) está inibida. Os subtipos da MAO A e B, estão envolvidos no metabolismo de serotonina, noradrenalina e dopamina.


O mecanismo de ação comum aos antidepressivos tricíclicos e tetracíclicos (ADTs) em nível pré-sináptico é o bloqueio de recaptura de monoaminas, principalmente norepinefrina (NE) e serotonina (5 HT) e em menor proporção a dopamina (DA). Os ISRSs inibem, de forma potente e seletiva, a recaptação de serotonina, resultando em potencialização da neurotransmissão serotonérgica. Embora compartilhem o mesmo mecanismo de ação, os ISRS são estruturalmente distintos, com marcadas diferenças no perfil farmacodinâmico e farmacocinético.


No que se refere aos duais, a venlafaxina e seu metabólito ativo O-desmetilvenlafaxina (ODV) são inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN), e apresentam fraca atividade como inibidores da recaptação de dopamina. O mesmo acorre com a duloxetina e com a mirtazapina.


A reboxetina é o primeiro composto comercializado de uma nova classe de antidepressivos os inibidores da recaptação de noradrenalina (IRNAs) -, estruturalmente semelhantes à viloxazina. Apresenta atividade seletiva sobre a recaptação de noradrenalina, com atividade antagonista alfa-2. O mecanismo de ação da bupropiona se dá através de sua atividade noradrenérgica e dopaminérgica. A nefazodona, uma fenilpiperazina, embora estrutural e quimicamente relacionada à trazodona, difere desta farmacologicamente. O mecanismo de ação da nefazodona se dá por meio da inibição da captação neuronal de serotonina e noradrenalina. É antagonista de receptores 5 HT2  e de receptores alfa-1 adrenérgicos. O mecanismo de ação postulado para a trazodona envolve a inibição da recaptação de sorotonina e noradrenalina. A longo prazo ocorre a dessensibilização e diminuição no número de receptores beta-adrenérgicos e 5 HT2A (8,9).
 


INDÚSTRIA FARMACÊUTICA MULTINACIONAL


Todos os antidepressivos existentes foram desenvolvidos por indústrias farmacêuticas multinacionais. Devido a esse fato, para ter um entendimento razoável acerca do assunto, julgamos indispensável termos uma ideia aproximada de algumas características dessas indústrias.


Na vigência de uma economia capitalista, chama-se de empresa qualquer organização dedicada à produção e venda de mercadorias ou a prestação de serviços e que tem o lucro por objetivo principal.


As multinacionais são empresas privadas, de capital aberto e que operam em vários países. Raramente possuem um acionista controlador. As suas ações, habitualmente, estão dispersas entre um grande número de grandes, médios e pequenos acionistas. Seus dirigentes e executivos tentam maximizar os lucros para distribuir bons dividendos entre os acionistas e se manter em seus cargos. Dentro desse contexto são considerados executivos competentes aqueles que conseguem maximizar o lucro das empresas onde trabalham (6,9,10).


As empresas farmacêuticas multinacionais são as responsáveis pelo desenvolvimento e industrialização de medicamentos inovadores, originais ou de marca e são as que mais investem em pesquisa e desenvolvimento. Sabe-se que este investimento em pesquisa gera faturamento e lucros muito elevados comparáveis aos gerados pela indústria petrolífera e aeronáutica.


Esse lucro somente pode ser mantido às custas de estratégias agressivas e caras. Entretanto, frequentemente, o limite entre promoção agressiva e propaganda enganosa pode ser muito tênue. No plano dos medicamentos isso ocorre quando há o enaltecimento das qualidades positivas e omissão de informações acerca das características negativas de um produto (10,11).  


O período compreendido entre 1950 e 1960, costuma ser considerado como etapa áurea das indústrias farmacêuticas multinacionais. Durante esse período ocorreu a descoberta e o lançamento de um grande número de produtos inovadores como as sulfas, penicilina, beta bloqueadores, antipsicóticos, antidepressivos e benzodiazepínicos. Nessa época a indústria farmacêutica multinacional gozou de grande prestígio, admiração e respeito na maioria dos países do mundo ocidental.


Esta confiabilidade foi abalada no período compreendido entre 1960 e 1970 quando o Senado Norte Americano identificou ligações espúrias entre a indústria farmacêutica dos Estados Unidos da América, as associações médicas americanas e as revistas médicas do país. Todos esses órgãos promoviam medicamentos, enaltecendo as suas propriedades terapêuticas e minimizando os efeitos colaterais. Esse foi, também, o período do grande desastre da talidomida, quando ocorreram os primeiros relatos de focomelia. Em 1961, antes que o produto fosse retirado do mercado, havia cerca de 10.000 crianças deformadas, em vinte países (9,10,11).


A partir do ano 2000, ocorreram alguns fatos que passaram a ameaçar, novamente, a credibilidade de algumas indústrias farmacêuticas:     
No ano 2000 o New England Journal of Medicine publicou um artigo que comentava a existência de acordos financeiros entre indústrias e pesquisadores, que poderiam configurar conflitos de interesse, não divulgados. No mesmo ano o British Medical Journal trouxe a tona um problema ligado ao emprego de anticoncepcionais de terceira geração: os autores da denúncia mencionavam que os estudos financiados por órgãos estatais revelavam uma grande incidência de acidentes tromboembólicos nas usuárias. Os estudos financiados pelas próprias indústrias omitiam essas complicações.


Em 2002, o The New York Times publicou um editorial acerca de antiinflamatórios não hormonais, com a seguinte afirmação: “a saga das drogas caras, que são promovidas para o alivio de artralgia, fica cada vez mais preocupante a cada nova revelação”. Na realidade, existia um consenso entre os especialistas, que alguns aspectos ligados aos produtos celocoxib (Celebra ®) da indústria Pharmacia e do rofecoxib (Vioxx®) da Merck Sharp Dohme, relacionados com a eficácia e segurança, não tinham sido devidamente esclarecidos. O rofecoxib (Vioxx®) foi retirado do mercado em setembro de 2004, por iniciativa da indústria produtora, quando ficou constatado que seu uso prolongado, poderia dobrar os riscos de infarto e de acidente vascular cerebral.


Em 2004 a revista Lancet chamava a atenção para o risco aumentado na incidência de ideação suicida e tentativas de suicídio, com o emprego de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Os autores do artigo também denunciavam o fato de que alguns dados, relativos à segurança do emprego desses produtos, em crianças e adolescentes, não eram mencionados nos artigos publicados em periódicos médicos. Em junho de 2004 o Procurador Geral do Estado de Nova York formalizou uma denuncia, perante a Suprema Corte do Estado, contra as empresas Glaxo Smith Kline e Smith Kline Beecham Corporation, por prática de atos fraudulentos repetidos, ligados à omissão e malversação de dados, em relação ao emprego de paroxetina (Aropax ®) em crianças e adolescentes deprimidas.


Em 2005 constatou-se que algumas indústrias multinacionais sofreram um abalo em sua credibilidade, ao longo dos últimos 5 anos. Esse abalo foi semelhante e por motivos parecidos à aquele que ocorreu há cerca de quatro décadas. Os motivos prendiam-se a fatos ou incidentes que envolvem uma multiplicidade de instituições e personagens: as indústrias farmacêuticas, os órgãos reguladores e fiscalizadores, os periódicos médicos, os investigadores clínicos e os autores de revisões sistemáticas (RS) e de meta-análises (MA).


Esses fatos prendiam-se à redação de artigos, por redatores fantasmas (ghostwriters) profissionais, mas que eram assinados por professores e pesquisadores com prestígio acadêmico. Esses artigos eram aceitos por revistas médicas de grande impacto e tinham grande repercussão sobre a práxis do médico clínico que adotava os medicamentos e os procedimentos recomendados.


A empresa de consultoria Harris Interactive realizou um levantamento acerca da credibilidade da indústria farmacêutica junto ao público, nos Estados Unidos da América. A credibilidade era de 80% em 1997. Em 2003 essa credibilidade mal atingia a cifra de 40%.


Recentemente, o The New York Times publicou um artigo com o título de “Medical papers by ghostwriters pushed therapy” (Artigos médicos assinados por autores fantasmas impulsionavam as terapêuticas). Este artigo, assinado por Natasha Singer, informa que 26 artigos, redigidos por autores fantasmas e financiados por uma indústria farmacêutica, enalteciam os benefícios da reposição hormonal, em mulheres. Esses artigos foram publicados em 18 revistas médicas, incluindo o The American Journal of Obstetrics and Gynecology, bem como o International Journal of Cardiology. O artigo menciona, ainda, a existência de empresas de comunicação, como a Design Write de Princeton, N. J., que oferecem acessória para redação de artigos acerca de tópicos de interesse de empresas farmacêuticas, assinados por autores escolhidos por essas empresas, e publicados em revistas importantes. Como consequência desses acontecimentos, algumas revistas médicas, como o The Journal of American Medical Association instituíram formulários que exigem, dos autores, o detalhamento de suas contribuições pessoais na elaboração dos artigos, assim como a enumeração de todos os possíveis conflitos de interesse. A comunidade médica internacional espera que todas as revistas médicas, de todos os países, adotem essas medidas o mais breve possível (9,10,11,14).


EFICÁCIA DOS ANTIDEPRESSIVOS NAS DEPRESSÕES

 

  • Em depressões moderadas e graves (episódio único), os antidepressivos mostram eficácia, na atenuação dos sintomas depressivos, em cerca de 65% dos pacientes quando submetidos a tratamentos breves, de até 8 semanas (12,13).

 

  • Em depressões moderadas e graves (episódios recorrentes), os antidepressivos mostram eficácia, na atenuação dos sintomas depressivos e na frequência e intensidade de recaídas e recorrências, em cerca de 75% dos pacientes, quando submetidos a tratamentos prolongados, de até 12 meses (12,13).

 

  • Em depressões leves, os antidepressivos mostram eficácia somente em cerca de 30% a 40% dos pacientes, isto é, eficácia idêntica ao placebo (12,13).

 

  • Em distimia, a eficácia dos antidepressivos ocorre em cerca de 55% dos pacientes, quando submetidos a tratamentos prolongados (12,13).

 

  • Pacientes deprimidos, submetidos a tratamento continuados (4 a 9 meses) ou de manutenção (> 1 ano), apresentam recaídas ou recorrências, ao longo de um ano de tratamento, em cerca de 30% dos casos (12,13).

 

  • Os tratamento continuados (6 meses) previnem recaídas em cerca de 50% dos casos e os tratamentos de manutenção (> 6 meses) previnem esse risco em cerca de 75% dos casos (12,13).

 

  • A eficácia dos antidepressivos heterocíclicos, dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina, dos duais e dos mistos é idêntica. Não existem diferenças estatísticas quanto à eficácia dos antidepressivos (12,13).

 

  • As estratégias empregadas para melhorar a eficácia dos antidepressivos tem se mostrado de utilidade limitada (14)



CONCLUSÕES

O Advento dos antidepressivos, na segunda metade da década de 1950, acarretou as seguintes consequências:

  • Os psiquiatras formados a partir de 1960 tiveram em suas mãos, pela primeira vez na história, uma prerrogativa para intervir no tratamento dos estados depressivos graves, em regime ambulatório. Até essa época, essa intervenção somente era viável, em regime hospitalar, com o emprego de tratamentos biológicos.

 

  • O emprego de antidepressivos permitiu a atenuação dos sintomas depressivos, em tratamentos breves, nos episódios agudos. A realização de tratamentos preventivos, por períodos prolongados, nas depressões recorrentes, acarretou a atenuação da intensidade e da frequência de recaídas e recorrências desses transtornos. Os tratamentos preventivos não eram viáveis com o emprego das terapêuticas biológicas.

 

  • O emprego dessas substâncias foi acompanhado do advento de hipóteses, ligadas à suposição de que os estados depressivos poderiam ser provocados ou acompanhados pelo desequilíbrio de algumas monoaminas, ao nível das sinapses cerebrais. Os mecanismos de ação, propostos para cada um deles, permanecem vinculados à hipótese monoaminérgica, de aumento da oferta de neurotransmissores na fenda sináptica.

 

  • A pressuposição que o emprego dessas substâncias permitiria corrigir o desequilíbrio dessas monoaminas e assim atenuar os sintomas depressivos e, seu uso prolongado, diminuir a intensidade e o número de recaídas e recorrências dos transtornos depressivos.

 

  • Os antidepressivos tetracíclicos, os ISRS e os DUAIS foram lançados com a promessa de eficácia idêntica aos tricíclicos e a possibilidade de provocar efeitos colaterais menos frequentes e menos intensos que os provocados pelos tricíclicos. Esse fato acarretaria melhor tolerância e melhor aderência ao tratamento. Na realidade isso nem sempre ocorre. Os antidepressivos provocam efeitos colaterais diferentes, em populações e indivíduos diferentes, independentemente de sua estrutura química e seu mecanismo de ação.

 


SÍNTESE

 

  • Os estados depressivos se constituem em transtornos do sistema nervoso com sintomas ainda delineados precariamente em classificações como o CID 10, de 1992, e DSM IV, de 1994.

 

  • Acredita-se que os transtornos depressivos apresentam alterações bioquímicas subjacentes, ligadas ao desequilíbrio de monoaminas cerebrais. A essência dessas alterações bioquímicas está apenas esboçada.

 

  • Os estados depressivos, raramente, apresentam uma evolução favorável, com remissão espontânea. Na maior parte das vezes seu curso é crônico, com alto índice de recaídas e recorrências e, frequentemente, catastrófico.

 

  • Quando submetidos a tratamento com placebo, os estados depressivos leves apresentam um nível relativamente elevado de respostas.

 

  • Os estados depressivos apresentam resposta modesta a tratamento farmacológico, com um índice bastante elevado de casos resistentes ou refratários a esse tipo de tratamento. Exigem tratamento a muito longo prazo ou permanente.

 

  • Apesar do grande número de antidepressivos, lançados no marcado pelas indústrias farmacêuticas multinacionais no período de 1960 a 2014, não se pode afirmar que tenha havido progressos genuínos quanto à eficácia desses produtos. Em ensaios aleatorizados, controlados, duplo cegos, submetidos a revisões sistemáticas e à metanálises, todos apresentam eficácia idêntica.

 

  • A maior parte dos ensaios aleatorizados, controlados, duplo cegos, são realizados e publicados sob o patrocínio das indústrias farmacêuticas multinacionais. Suas finalidades principais são as de prover dados para o registro formal, perante as agências reguladoras, bem como o de embasar as estratégias de marketing das indústrias. Nesses ensaios observa-se, frequentemente, a maquiagem de resultados dos efeitos colaterais e dos riscos dos produtos lançados.

 

  • Nos últimos anos tem-se observado uma redução de investimento em pesquisa por parte das próprias indústrias farmacêuticas. Isso se deve às seguintes razões: o investimento para o desenvolvimento de um produto novo é cada vez maior; a fiscalização, por parte dos organismos controladores, é cada vez mais rigorosa; o mercado consumidor está cada vez mais exigente em aceitar propaganda enganosa na promoção de “novidades”.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

  1. OMS. Classificação de Transtornos Mentais e do Comportamento da CID10. Porto Alegre: Artes Médicas do Sul, 1993.

  2. DSM-IV - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4ª ed. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

  3. Beekman, A.T.; Copeland, J.R., Prince, M.J. Review of community prevalence of depression in later life. Br J Psychiatry. 1999;174:307-11.

  4. Keller, M.B. Past, present, and future directions for defining optimal treatment outcome in depression: remission and beyond. JAMA. 2003;289(23):3152-60.

  5. Consortium TWWMHS. Prevalence, Severity, and Unmet Need for Treatment of Mental Disorders in the World Health Organization World Mental Health Surveys. JAMA: The Journal of the American Medical Association. 2004;291(21):2581-90.

  6. Healy, D. The Antidepressant Era. First Harvard University Press paperback edition, 1999.

  7. Oliveira, I.R.; Sena, E.P. Manual de psicofarmacologia clínica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p.329.

  8. Moreno, R.A.; Moreno, D.H.; Soares, M.B.M. Psicofarmacologia dos antidepressivos. Rev. Bras. Psiquiatr. 1999; 21 (Supl I): S24-40.

  9. Paprocki, J. Psicofarmacologia e adesão ao tratamento. IN: Gilda Paoliello. O Melhor do Risco. 1ª edição. São Paulo: Segmento Farma Editores, 2010, parte 4, p.75-83.

  10. Paprocki, J. Adesão ao tratamento em psicogeriatria. IN: Freitas, E.V.; Py, L. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

  11. Silverman, M.; Lydecker, M. Lee, P.R. Bad Medicine. Stranford University Press, Califórnia, 1992.

  12. Fleck, M.P.; Berlim, M.T.; Lafer, B.; Sougey, E.B.; Porto, J.A.D.; Brasil, M.A.; Juruena, M.F.; Hetem, L.A. Revisão das diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão (Versão integral). Rev. Brasileira de Psiquiatria. 2009; 31 (Supl I):S7-17.

  13. Stahl, S.M. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações clínicas. Rio de Janeiro: MEDSI Editora Médica e Científica Ltda, 1998.

  14. Paprocki, J. Depressão resistente ou refratária ao tratamento farmacológico. IN: Rocha, F.L.; Hara, C. Ramos, M.G. Refratariedade e situações clínicas de difícil abordagem em psiquiatria. Belo Horizonte: Folium, 2011.


 

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