
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
CORRUPÇÃO E VIGILÂNCIA SANITÁRIA
Postado em 29 de junho de 2015
RESUMO
Aferição do índice de corrupção por organizações internacionais. Exemplos de corrupção em diferentes áreas: aeronáutica, bancos, Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), justiça do trabalho, Petrobrás, polícia e políticos. Possíveis razões da corrupção. A Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária (SVS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
A CORRUPÇÃO NO BRASIL
Durante uma visita oficial do presidente Clinton ao Brasil, o embaixador dos Estados Unidos da América fez circular, entre os membros da comitiva presidencial norte americana, um relatório no qual afirmava que “a corrupção, no Brasil, era endêmica”. Essa afirmação, inoportuna e inábil, criou um incidente diplomático delicado e chegou a empanar a visita presidencial. Na realidade, foi apenas uma confirmação da proverbial e notória falta de habilidade diplomática norte-americana, muito frequente entre funcionários do governo daquele país.
Uma organização chamada Transparency Index Internacional publica, anualmente, os resultados de análise da corrupção, em diferentes países do mundo. Segundo essa instituição considera-se o melhor índice de transparência a nota 10 e o grau mais alto de corrupção a nota zero. O Brasil tinha a pontuação 2,96 em 1996; em 1997 sua pontuação era de 3,56; em 1998 era de 4,0 e, em 1999, chegou a 4,1. A partir de 2002 houve uma queda progressiva desse índice: 4,0 em 2002; 3,9 em 2003 e 2004; 3,7 em 2005 e 3,3 em 2006. Em 2014, o Brasil teve a pontuação de 4,3.
No ano 2000, o Transparency Index colocou o Brasil no 49º lugar no ranking mundial da corrupção. Em 2004 essa instituição classificou o Brasil no 59º lugar e, em 2006 o país foi rebaixado para o 70º lugar. Em 2014, o Brasil estava colocado em 69º lugar. Essa classificação coloca o Brasil próximo de países africanos, como Mamíbia e Botsuana. Na América do Sul, o Brasil está abaixo do Chile, Uruguai e Colômbia e no mesmo nível do Peru.
A concepção da juventude brasileira acerca de algumas instituições do país, também não é nada lisonjeira Em um levantamento realizado pela UNESCO e a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), em 1999, com um grupo de 1.000 adolescentes entre 14 e 20 anos de idade, na cidade do Rio de Janeiro, chegou-se a algumas conclusões surpreendentes acerca da confiança por parte desses jovens em algumas instituições brasileiras. As notas dadas foram as seguintes: família 9,0 igreja 8,0; meios de comunicação e escola 7,0; poder judiciário e congresso 4,0; governo e polícia 3,0 e partidos políticos 2,0.
O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) realiza, anualmente, desde 1989 um estudo a cerca do grau de confiança dos brasileiros nas instituições nacionais. Em 2005 o resultado da pesquisa foi publicado na revista Carta Capital, edição de 7 de setembro de 2005. No artigo que são divulgados os dados do IBOPE e que tem o título “Só os médicos se salvam”, o autor ressalta a existência de uma crise de confiança que atinge um grande número de instituições. Nesse levantamento, os médicos atingiram um percentual de credibilidade de 81%; o poder judiciário contabilizou 45%; a polícia ficou com 35%; o Senado Federal com 20%; a Câmara dos Deputados com 15% e os políticos com 8%.
Durante um período de mais ou menos cinco anos, compreendido entre o ano de 1998 e o ano de 2003, alguns setores da imprensa nacional passaram a dar grande ênfase a acontecimentos e comportamentos que poderiam ser considerados corruptos. O sentido de muitas dessas denúncias não era o de simples sensacionalismo jornalístico. A sensação que se tinha é que havia um esforço genuíno em investigar, desmascarar e denunciar alguns desses escândalos com o intuito de esclarecimento e eventual proteção da sociedade.
Enumeramos a seguir, alguns exemplos desses fatos, tratados profusamente pela imprensa em geral durante esse período.
Aeronáutica: O coronel da Aeronáutica, Paulo Sérgio Pereira de Oliveira, confirmava a possibilidade de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) terem sido usados para transportar drogas do Brasil para a Europa. O Coronel foi preso após a descoberta de 32 quilos de cocaína, em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que saíra do Rio de Janeiro com destino à França. A descoberta foi feita quando o avião fez uma escala em Recife.
A Câmara Federal prometeu que vai investigar a emissão de 27.193 passagens aéreas gratuitas, chamadas de “passes livres”, requisitados por 12 repartições do antigo Ministério da Aeronáutica. Não se sabe o impacto dessa gratuidade na crise financeira que atingia a aviação comercial, na época.
Anabolizantes: Em agosto de 2002, a Associação Brasileira de Estudos e Combate ao Doping concluiu uma investigação do que ocorre nessa área no país. As conclusões do relatório são as seguintes: existem dez tipos de anabolizantes que são comercializados em farmácias, com venda controlada. Trinta tipos de anabolizantes entram ilegalmente no país e são comercializados em academias, farmácias de manipulação, lojas de suplementos alimentares e de produtos veterinários. Existiam 95 quadrilhas que vendiam esteróides anabolizantes e que trabalhavam em parceria com alguns “personal trainers”.
Bancos: O escândalo, ainda não resolvido, do grampo de escuta ilegal no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) durante as privatizações. Possíveis deslizes financeiros de Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, que recusou responder as perguntas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Ao não responder as perguntas, o acusado deixou a impressão de que não tem respostas convincentes para as acusações. Segundo o Senador Pedro Simon descobriu-se que o mesmo tinha 1,5 milhões de dólares depositados no exterior e não declarados. Francisco Lopes ficou duas horas na cadeia, pagou R$ 200,00 de fiança e foi liberado.
Calotes no INSS: As dívidas de empresas brasileiras, em 1999 com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) ultrapassavam R$ 50 bilhões de reais. As maiores devedoras eram: Transbrasil R$ 514 milhões; Encol R$ 392 milhões; Vasp R$ 309 milhões; Varig R$ 289 milhões; Mendes Júnior R$ 231 milhões e Caixa Econômica Federal R$ 178 milhões. Não se sabe da importância do impacto desse calote na inadimplência do próprio Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Falsificações: A edição Nº 1669 da revista VEJA, noticiava que a Receita Federal apreendeu lotes de whisky falsificado em supermercados como Carrefour, Wall Mart e Makro. Até a pouco tempo acreditava-se que essa era uma prerrogativa de sacoleiros de Foz do Iguaçu e de camelôs em barracas de rodoviárias e não de conceituados supermercados.
Justiça do Trabalho: Escândalo de desvio de dinheiro na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, envolvendo a empresa IKAL de Fábio Monteiro de Barros, o Senador Luiz Estevão e o Juiz Nicolau dos Santos Neto.
Na véspera da extinção do cargo de Juiz Classista, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Bahia nomeou 66 juízes e o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Distrito Federal fez o mesmo com 44 juízes. Todos permanecerão nos cargos durante três anos.
Em 2004 a Revista Época, número 304, noticiava que 79 desembargadores dos tribunais de justiça estaduais estavam sendo investigados por práticas de corrupção. Na época, existiam no Brasil, 966 desembargadores.
Petrobrás: Em março de 2001 a maior plataforma de petróleo do mundo, de propriedade da PETROBRÁS, explodiu e afundou com um grande número de mortos e feridos. O prejuízo foi da ordem de U$ 1 bilhão de dólares. Não houve identificação dos responsáveis.
Polícia: A população carcerária civil, no Brasil, era de 170.000 pessoas o que correspondia a 1% da população total do país. Por outro lado, existiam 15.000 policiais presos, o que correspondia a 3,0% do efetivo policial. As acusações contra policiais em crimes de roubo, extorsão e tráfico de drogas, subiram de 400 % no período de 1995 a 2000. As ouvidorias tem recebido cerca de 3.000 denúncias, por mês, contra policiais. Esse é um número 100 vezes maior do que ocorre na Inglaterra. Os policiais têm respondido a 16 vezes mais acusações por roubo que os civis. Na polícia civil, para cada denúncia de crime contra um investigador de polícia, existem treze denúncias contra delegados. Na polícia militar para cada denúncia de crime contra um soldado existem, em média,15 denúncias contra oficiais.
Em 2004 foi noticiado fartamente que a Polícia Federal (PF) estaria sofrendo um processo de reforma liderado por seu diretor geral, o delegado Paulo Lacerda, designado para essa função pelo Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos. Esta nova polícia federal, reformada, tem desenvolvido algumas mega operações que levaram para a prisão 458 pessoas, que incluíam políticos, policiais, empresários e juizes. Nas operações realizadas no ano de 2003 ocorreram 110 prisões de policiais e de 51 funcionários públicos. Algumas dessas operações, com envolvimento de policiais são as seguintes: operação Águia, ocorrida no estado do Amazonas e que levou a prisão 36 policiais civis, envolvidos em tráfico internacional de drogas; operação Sucuri, ocorrida no Paraná, com a prisão de 22 policiais federais, envolvidos na facilitação de contrabando; operação Transito Livre, ocorrida no Paraná, com a prisão de 30 policiais rodoviários, envolvidos na facilitação de contrabando; operação Lince III, ocorrida em São Paulo, com a prisão de 4 policiais federais envolvidos em adulteração de combustíveis e roubo de cargas; operação Anaconda, ocorrida em São Paulo, com a prisão de três policiais federais, envolvidos na venda de sentenças judiciais; operação Planador, ocorrida em Rio de Janeiro, São Paulo e Amazonas, com a prisão de 12 policiais federais envolvidos em tráfico internacional de drogas e roubo de veículos.
Políticos: A opinião geral acerca dos políticos não é das melhores. Uma pesquisa realizada em 2004 pela Gallup International Association e pela Interscience Ciência e Tecnologia fornece os seguintes dados: em 60 países pesquisados os políticos eram considerados desonestos por 63% dos entrevistados. No Brasil, 80% da população considerava os políticos desonestos e 51% consideravam os mesmos incompetentes.
Possível participação dos ex-deputados José Gerardo e Francisco Caica, do Maranhão, em roubo de cargas de caminhão. O ex-deputado Hildebrando Pascoal, do Acre, acusado de chefiar o esquadrão de morte e de tráfico de drogas.
Em abril e maio de 2001 foram noticiados, fartamente, na imprensa, os escândalos da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). A Polícia Federal teria identificado um roubo de 360 milhões de reais na SUDENE. As duas entidades foram extintas por força de uma medida provisória assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma reportagem relatava o resultado de escutas telefônicas de pessoas que trabalhavam ou mantinham relações com os órgãos. As conversas estão reunidas em um inquérito de 5.000 páginas.
Em abril de 2001, ocorreu um noticiário farto acerca do escândalo da violação do sigilo do painel eletrônico do Senado Federal, por ocasião da cassação do mandato do senador Luiz Estevão. O conselho de Ética do Senado, após a acareação dos envolvidos, enfrentou um impasse: a funcionária Regina Borges, diretora do setor de informática do Senado declarou que, ao violar o painel, estava cumprindo ordens do senador José Roberto Arruda. O senador Arruda declarou que apenas consultou a funcionária em nome do senador Antônio Carlos Magalhães e que não deu nenhuma ordem à mesma. O senador Antônio Carlos declarou que não pediu nada a ninguém e que, quando recebeu o resultado da violação, limitou-se a tomar conhecimento e destruir o documento. Acrescentou, ainda, que não tomou medidas administrativas para proteger o bom nome do Senado.
Em abril de 2002 o escândalo da Empresa Lunus de propriedade de Jorge Murad e da governadora Roseana Sarney, candidata à presidência da república, onde a polícia federal, em uma batida autorizada pela justiça, encontrou alguns documentos comprometedores e uma quantia de mais de um milhão de reais. O casal divulgou sete versões para explicar a origem do dinheiro, e cada uma se despedaçou horas depois da divulgação. Num primeiro momento, o dinheiro era da própria empresa Lunus. Em seguida, seria reserva financeira para comprar madeira de construção. Mais adiante, já se transformaria em resultado de venda de chalés numa praia de turismo. Como nenhuma versão mereceu crédito, saiu a oitava versão. O dinheiro, conforme a explicação dos advogados de Jorge Murad e da Roseana Sarney, teria sido doado para a campanha presidencial da candidata. Detalhe: todos os doadores eram parentes da família ou pessoas ligadas ao senador José Sarney por laços políticos. Esta oitava versão foi à pá de cal sobre as ambições presidenciais de Roseana Sarney. A governadora resignou da candidatura à presidência da república.
O senador Jader Barbalho, acusado de corrupção passiva, peculato, formação de quadrilha e sonegação fiscal, renuncia à presidência do senado e depois, ao mandato de senador, para evitar que seus direitos políticos sejam cassados. O Senador estava sendo acusado de desviar cerca de U$ 1 milhão de dólares do Banco do Estado do Pará, em 1984, quando era governador desse estado. Vinte anos depois, em 2004 os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que há indícios para abrir processo criminal contra o atual deputado federal Jader Barbalho.
O vereador Vicente Viscome, de São Paulo, condenado a 16 anos de prisão, em regime fechado, por chefiar a máfia de fiscais na administração regional da prefeitura de São Paulo. Sua prisão foi acompanhada de 16 outras pessoas condenadas por extorsão, formação de quadrilha e estelionato.
Como consequência desse conjunto de fatos, o Senado Federal, em 2001, estava na iminência de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Corrupção. O governo federal antecipou-se criando a Corregedoria Geral da União, com status de ministério e com a função de coordenar a apuração de denúncias de corrupção e irregularidades do governo. Ao empossar a corregedora, Anadyr Mendonça Rodrigues, o presidente Fernando Henrique afirmou que a mesma teria carta branca para investigar qualquer setor da administração federal. Esse órgão de controle somou-se a outros já existentes, como a Secretaria Federal de Controle, Ministério Público, Polícia Federal, Secretaria da Receita Federal, Advocacia Geral da União e Tribunal de Contas da União.
POSSÍVEIS CAUSAS DA CORRUPÇÃO
Diante do exposto até agora parece bastante cabível a seguinte indagação: porque um país dotado de tantos órgãos de controle apresenta um índice tão elevado de comportamentos corruptos, em um número grande de setores como governo, políticos, polícia, justiça e outros? Esse grande número de escândalos, ao lado de um grande número de órgãos fiscalizadores, sugere que alguma coisa não está funcionando a contento.
Stephen Kanitz, articulista da revista Veja, acredita que a razão principal do alto índice de corrupção no Brasil está ligada ao pequeno número, a baixa remuneração e a qualidade dos fiscais e auditores dos organismos encarregados dessa fiscalização. Segundo esse autor, que é administrador, as nações com menor índice de corrupção são as que têm o maior número de auditores e fiscais formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes. O Brasil, país, com um dos mais elevados índices de corrupção, segundo o World Economic Fórum, tem somente oito auditores por 100.000 habitantes, isto é, 12.800 auditores no total. Segundo esse autor, se quisermos os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda, precisaremos formar e treinar 160.000 mil auditores, isto é, dez vezes mais do que os existentes. No Brasil, existem 12 economistas formados para cada auditor, enquanto que nos Estados Unidos existem 12 auditores para cada economista. Para eliminar a corrupção teremos que formar mais auditores, para que sejamos uma nação que não precise depender de dedos-duros e que conte com profissionais competentes, com uma ética profissional elaborada. A principal função do auditor não é a de fiscalizar depois do fato consumado, mas a de criar controles internos para que a fraude e a corrupção não possam ser praticadas. Nos países efetivamente auditados, a corrupção é detectada no nascedouro ou quando ainda é pequena. Bons salários e valorização social seriam os requisitos básicos para todo sistema funcionar mas, no Brasil, estamos pagando mal os nossos fiscais e auditores e nem ao menos treinamos nossos futuros profissionais. Nos últimos nove anos, os salários dos auditores públicos e fiscais têm sido congelados e seus quadros reduzidos o que seria uma das razões do crescimento da corrupção. Portanto, segundo esse autor o Brasil não é um país corrupto. É um país pouco auditado.
Marcos Sá Correa, outro articulista de “Veja”, lembra, de maneira bem humorada, que o fracasso dos instrumentos regulares de controle da corrupção gerou, na vida pública brasileira, uma nova patologia: os denunciantes não são fiscais e auditores e sim pessoas próximas dos acusados e, com alguma frequência, sofrem de distúrbios afetivos. O presidente Collor foi desmascarado porque foi denunciado pelo irmão. A máfia dos anões do orçamento foi denunciada por um seu assessor, o senhor José Carlos Alves dos Santos que também teria encomendado o assassinato de sua mulher. O vereador Vicente Viscome, chefe da quadrilha que extorquia dinheiro dos camelôs de São Paulo, foi denunciado por sua namorada e assessora Tânia de Paula. O juiz Nicolau dos Santos Neto, depois de enterrar R$ 263 milhões de reais no esqueleto da sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), de São Paulo, foi denunciado devido a uma pirraça de seu genro Marco Aurélio Gil.
Ao enumerar esse conjunto de fatos recentes, relativos à corrupção, o nosso propósito não é o de fazer julgamentos quanto a sua frequência e gravidade. Também não temos o propósito de comparar a corrupção no Brasil com a corrupção de outros países. Muito menos é nossa meta a de tentar interpretar as causas da corrupção. Todos esses aspectos, a nosso ver, são de grande complexidade e fogem ao escopo do presente estudo. A meta principal dessa enumeração é a de chamar atenção para o fato de que, em um número de tão grande de comportamentos corruptos, em áreas tão diferentes como justiça, polícia, previdência, senado, não existe nenhuma menção acerca de corrupção na área de controle de medicamentos.
A CORRUPÇÃO NA ÁREA DE MEDICAMENTOS
O professor Antônio Carlos Zanini, em 1998, menciona que, em 50 de existência da vigilância sanitária, não existe registro de fiscal da Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) que tivesse sofrido processo administrativo por corrupção, ou seja, é como se todos os fiscais da antiga Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) fossem perfeitos e não tivesse ocorrido nenhuma corrupção nos últimos 50 anos. Esse dado, quando comparado com os índices de corrupção existentes em nossos bancos, justiça, polícia e Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) é, pelo menos, surpreendente. O professor Zanini é Consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS) e foi Secretário Nacional de Vigilância Sanitária (SVS) no período de 1980 a 1985.
A primeira denúncia séria acerca da falta de controle na área de medicamentos no Brasil ocorreu em 1992. Essa denúncia foi feita por três autores norte americanos M. Silverman e M. Lydecker, e P.R. Lee em seu livro Bad Medicine. Nesse livro, com tiragem de cem mil exemplares nos Estados Unidos da América, existe um capítulo intitulado "Drug Fraud Brasileiro Style". Neste capítulo os autores afirmam: “A população do Brasil, talvez mais que o povo de qualquer outra nação da América Latina, tem sofrido a praga de medicamentos falsos ou fraudulentos... A explicação é uma combinação de ingenuidade, incompetência, corrupção, estupidez e, possivelmente, o mais ridículo sistema de inspeção de todo o mundo”.
Uma segunda avaliação crítica, muito contundente, acerca da atuação da antiga Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) foi feita em 1998 pelo próprio professor Zanini. Essa avaliação foi publicada na revista Médicos, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), em um extenso e detalhado artigo intitulado “Falsificação, má qualidade, informação enganosa”. Nesse artigo o professor Zanini, a exemplo de Stephen Kanitz, atribue grande parte da ineficiência do órgão a falta de fiscais competentes e a falta de auditagem desses fiscais.
Apesar de se falar pouco acerca desse assunto, parece que havia preocupações por parte do governo Fernando Henrique Cardoso com a situação existente em relação aos medicamentos. As justificativas oficiais para a Medida Provisória que instituiu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em dezembro de 1998, seriam fruto das preocupações do governo com o registro, produção e fiscalização de produtos farmacêuticos e a distribuição crescente de medicamentos adulterados e falsificados, principalmente, após a promulgação da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 que regula direitos e obrigações relativas à propriedade industrial ou Lei de Reconhecimento das Patentes e da propriedade industrial. A finalidade principal da Secretaria de Vigilância Sanitária e da Agência de Vigilância Sanitária, em sentido amplo, seria a de cuidar de tudo que se refere à produção, comercialização, registro e controle de medicamentos e seus insumos no Brasil. Em sentido mais restrito e específico, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) teria como finalidade importante à de implantar e fazer cumprir a Lei 9.787, a chamada Lei dos Genéricos.
Vamos lembrar que em 2000, no Brasil existiam cerca de 485 indústrias farmacêuticas, perto de 7.000 distribuidores e em torno de 55.000 farmácias, espalhadas por uma grande extensão territorial. Para fiscalizar tudo isso havia, na antiga Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS), mais ou menos de 1.400 fiscais e segundo o professor Zanini, nenhum controle sobre esses fiscais.
Entretanto, o Sr. Veccina Netto, primeiro diretor presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) afirmava, em uma entrevista publicada no Jornal da Associação Paulista de Medicina (APM) de novembro/dezembro de 1999, que o número de fiscais existentes no órgão, nessa época, seria suficiente e que os recursos disponíveis permitiam uma fiscalização eficiente. Apenas não informava quantos eram os fiscais e quais seriam os recursos existentes. Também não informava como os fiscais seriam auditados. Ou o Sr. Veccina Netto não conhecia os dados enumerados pelo professor Zanini, no que tange à antiga Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS), ou não acreditava nos mesmos, ou ainda, fazia pouco caso da inteligência dos outros.
Em 1990 um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) informava que, no Brasil, perto de 70% dos medicamentos eram vendidos nas farmácias sem prescrição médica e que, perto de 20% dos medicamentos comercializados eram falsificados. Em 2004 a indústria Novartis calculava que perto de 15% dos medicamentos comercializados em farmácias, de maneira informal, sem nota fiscal, também eram falsificados. Na época a imprensa divulgava suspeitas sobre a qualidade da fiscalização do pólo industrial de Anápolis, que eram refutadas pela Cecília de Brito, responsável pela vigilância sanitária de Goiás.
FONTES CONSULTADAS
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Cançado, Patrícia. Os novos milionários. Época, Nº 337, 1 de novembro de 2004. Editora Globo S.A., São Paulo - SP
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Fortes, Leandro. De olho nos juízes. Época, Nº 340, 22 de novembro de 2004. Editora Globo S.A., São Paulo - SP
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Kanitz, Stephen. A origem da corrupção. Veja, Ed. 1600, 02 junho 1999. Editora Abril, São Paulo - SP
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Quem tem medo dos estrangeiros. Veja, Ed. 1632, 19 janeiro de 2000. Editora Abril, São Paulo - SP
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Rizek, A. & Oyama, T. A autolimpeza da PF. Veja, Ed. 1876, 20 outobro de 2004. Editora Abril, São Paulo - SP
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Silverman, M; Lydecker M; Lee, P.R.Bad Medicine – The prescription drug industry in the third world. Ed. Stanford University Press, 358 pg., 1992
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Zanini, A.C. Falsificação, má qualidade, informação enganosa. Médicos HC – FMUSP, Ano 1, Nº 4, set/out. 1998
MEDICINA
A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
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