top of page

MEDICINA

A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL

 

CONSIDERAÇÕES ACERCA DE EMPRESAS MULTINACIONAIS

 Postado em 06 de fevereiro de 2015

 

 

INTRODUÇÃO

O presente texto tem como meta principal a de familiarizar o leitor não versado em economia com o conceito de empresa e, principalmente, com o conceito de empresa multinacional. Acreditamos que esse conhecimento seja indispensável para compreender, de maneira adequada, alguns problemas ligados à indústria farmacêutica multinacional e os choques frequentes entre essas indústrias e alguns governos, principalmente, os governos de países em desenvolvimento. Este capítulo é, em grande parte, uma transcrição de alguns textos de autoria de Henrique Simonsen o qual, a nosso ver, realiza, em seus escritos, a tarefa de explicar alguns conceitos ligados à economia com uma clareza e elegância pouco comuns entre os profissionais desta área.

CLASSIFICAÇÃO DE EMPRESAS E PAÍSES

No que concerne ao conceito de empresa pode-se afirmar que, no mundo ocidental, em uma economia capitalista e globalizada, chama-se de “empresa” qualquer organização destinada à produção e venda de mercadorias ou à prestação de serviços e que tem, por objetivo principal, o lucro. Dentro desse contexto o bom empresário é aquele que é capaz de maximizar os lucros de uma empresa. Esta definição aplica-se, também, aos bons executivos.


Em função do controle acionário as empresas podem ser classificadas em públicas, privadas e mistas. As empresas públicas são aquelas cujo capital acionário pertence, inteiramente, ao poder público. As empresas privadas são aquelas cujo capital pertence a pessoas ou entidades da área privada. Empresas mistas são aquelas cujo controle acionário pertence ao poder público, ainda que haja acionistas da área privada. As empresas em geral podem ser de capital fechado ou de capital aberto. As de capital aberto são aquelas cujas ações são negociadas em bolsas de valores e as empresas de capital fechado são aquelas cujas ações não são negociadas nessas bolsas. Sob o aspecto de atuação geográfica chamam-se de empresas nacionais aquelas que atuam em um único país e cujo controle acionário pertence à cidadãos ou a organizações deste país. Chamam-se de empresas multinacionais ou transnacionais aquelas que atuam em vários países e cujas linhas básicas de atuação são traçadas dentro de um contexto global. De uma maneira geral, as multinacionais são empresas privadas, de capital aberto e, frequentemente, não possuem um acionista controlador, pois seu capital está disperso por uma multidão de pequenos, médios e grandes acionistas de vários países. Seus dirigentes tentam maximizar os lucros da empresa para remunerar bem os seus acionistas, inclusive e principalmente, para se manter em seus cargos de direção e continuar, eles próprios sendo bem remunerados.


A história das empresas multinacionais parece remontar ao século XVII. Nessa época o comércio dos produtos orientais, na Europa, era um monopólio de Portugal e decorria, em grande parte, da sua supremacia naval no Oceano Índico. A partir de 1640 as rotas navais portuguesas foram, progressivamente, desbaratadas pela Holanda e pela Inglaterra. Nessa época foi fundada, na Holanda, uma empresa com estrutura acionista formada pelas Câmaras de seis cidades dos Países Baixos, além de ter o capital aberto a toda a população. Esta foi, provavelmente, a primeira empresa multinacional do mundo. Essa empresa monopolizou o comércio de porcelana chinesa por mais de três séculos e, por ser muito rentável, gerou a expressão popular “negócio da China”.


A partir dessa época e ao longo de muitos séculos, foram sendo criadas empresas análogas em muitos países. Algumas dessas empresas foram muito bem sucedidas e continuaram realizando “negócios da china”, fora da área de porcelana. Estas empresas são as chamadas multinacionais e transnacionais e a indústria farmacêutica multinacional pertence a essa categoria de empresas. A maior parte das empresas multinacionais e transnacionais existentes teve sua origem em países do primeiro mundo.


Para situar melhor o tema lembramos aqui uma classificação elaborada pelo demógrafo francês Alfred Sanny, na década de 1950, que classificava os países em três categorias: países do primeiro mundo que compreendiam a maior parte da Europa Ocidental, os Estados Unidos da América e o Japão, países do segundo mundo que eram constituídos pelos países comunistas, como a extinta União Soviética e alguns países europeus mais pobres como a Grécia, Portugal e Turquia; países do terceiro mundo que compreendiam a maior parte dos países da África, América do Sul  e da Ásia. Com o desaparecimento da União Soviética e como progresso dos países do antigo terceiro mundo, alguns desses últimos passaram a ser chamados, eufemísticamente, de “países emergentes” ou “em desenvolvimento”, como é o caso do Brasil.


COMPORTAMENTO FRENTE A MULTINACIONAIS

No que se refere ao comportamento dos governos e das populações dos países em desenvolvimento, em relação a empresas multinacionais, ele tem variado em diferentes épocas e regiões:


No período de 1950 a 1970 tanto no Brasil como na maior parte dos países subdesenvolvidos ou nos chamados “em desenvolvimento”, as palavras de ordem mais ouvidas eram: fora com as multinacionais e fora com o imperialismo dos países do primeiro mundo.


Segundo Mario Henrique Simonsen, uma das teses do nacionalismo xenófobo e, em particular, das esquerdas brasileiras, era a necessidade de deter a invasão das multinacionais que, na visão dessas esquerdas, somente se interessavam em explorar a nossa mão de obra barata, sangrar o balanço de pagamentos com a remessa de lucros para o exterior, submeter-nos a dependência tecnológica e transferir, para fora das fronteiras nacionais, a decisão sobre produção e os investimentos. Um ilustre representante dessa ideologia foi Celso Furtado, ministro de planejamento do governo Jango Goulart.  Este economista era contrário ao proceso de privatização de empresas estatais, à entrada de capitais estrangeiros bem como a inserção do Brasil no processo de globalização.


A partir de 1970, na maior parte dos países em desenvolvimento de todo o mundo, a mentalidade foi mudando e, atualmente, a palavra de ordem é outra: bem vindo o capital estrangeiro e as multinacionais. O capital estrangeiro foi santificado num altar, como anjo da guarda do desenvolvimento e ferramenta indispensável para qualquer país que sonhe em sair do atraso. Países do leste europeu, pós-comunista e do sudeste asiático passaram a tentar conseguir investimentos das multinacionais. Simonsen afirmava, que a média anual de capital estrangeiro investido nesses países era de 25 bilhões de dólares entre 1986 e 1990. Em 1992, cerca de 50 bilhões de dólares saíram dos países ricos para os países do terceiro mundo, sob a forma de investimentos diretos. No período de 1985 a 1993 foi investida, pelas multinacionais, a quantia de 300 bilhões de dólares na compra de estatais colocadas à venda, dentro de planos de privatização ousados, como os que ocorreram na Argentina, na Espanha e na Inglaterra, na década de 80 e, com certo atraso, no Brasil, na década de 90.



AS MULTINACIONAIS NO BRASIL

No transcurso da década de 90 notava-se grande competição, por parte de governadores de alguns estados brasileiros, para conseguir a instalação de montadoras de automóveis em seus respectivos estados. Ofereciam-se vantagens, sob a forma de subsídios e isenção temporária de impostos para atrair essas empresas. Aprendeu-se, enfim, que essas empresas geram empregos diretos e indiretos, fomentam o aparecimento de indústrias de autopeças, desenvolvem mão de obra especializada, pagam impostos, podem aumentar as exportações e dão prestígio ao estado, atraindo outras empresas. Essa mentalidade somente passou a existir após muitas décadas de rejeição xenófaba sistemática.


Nos últimos anos tem havido, no Brasil, mega-privatizações com grande entrada de capital estrangeiro. Em junho de 1999, a Telefônica Espanhola comprou o site ZAZ do grupo RBS e, em agosto, a americana Microsoft comprou 20% da Globocabo por US$ 126 milhões de dólares. Em outubro do mesmo ano, o consórcio francês Dassault/Matra/Snecma/Thomson comprou 20% da Embraer por US$ 209 milhões de dólares. A Amanco, suíça, comprou a Akros, fabricante de tubos de PVC, por cerca de US$ 100 milhões de dólares. Em novembro, a Agip do Brasil, subsidiária da Agip italiana, comprou a concessão para exploração de gás canalizado em São Paulo por R$ 275 milhões de reais. A Black & Decker, americana comprou a Refal Indústria e Comércio de Rebites e Rebitadeiras Ltda. por US$ 10 milhões de dólares. A Repsol-YPF espanhola comprou doze postos de combustível da rede Bomm, de Ribeirão Preto (SP). Em dezembro de 1999, a Pillsbury, americana, comprou a Forno de Minas, fabricante de pão de queijo, por R$ 80 milhões de reais e a Telefônica espanhola, comprou as Centrais Telefônicas de Ribeirão Preto por R$ 430 milhões de reais. Em janeiro de 2000, a Arjo Wiggins Appleton, franco-britânica, comprou a Indústria de Papel de Salto, única fabricante de papel-moeda no país, por R$ 42 milhões de reais.


No primeiro trimestre do ano 2000, os sensores do Banco Central mostravam que o país recebeu, só nos quatorze primeiros dias de janeiro de 2000, US$ 1,4 de dólares em investimentos estrangeiros. Nos últimos meses desse mesmo ano, os estrangeiros compraram de tudo: postos de gasolina, provedores de Internet, bancos, fábricas de pão de queijo, de rebites e de papel moeda e comentava que pretendiam comprar distribuidoras de medicamentos e cadeias de farmácias.


No setor bancário, em março de 1997, o HSBC (Inglaterra) comprou o Bamerindus e o Santander (Espanha) comprou o Banco Geral do Comércio. Em janeiro de 1998 a Caixa Geral de Depósitos (Portugal) comprou o Banco Bandeirantes. No mesmo ano, em março de 1998 o Santander (Espanha) comprou o Banco Noroeste. Em maio o CSFB (Suíça) comprou o Banco Garantia. Em julho, o ABN-Amro (Holanda) comprou o Banco Real e o Bilbao Vizcaya (Espanha) comprou o Banco Excel Econômico. Em janeiro de 2000 o Banco Santander (espanhol) comprou os Bancos Bozano Simonsen e o Meridional.


Os banqueiros brasileiros, que nunca se pronunciaram contra a abertura econômica e ganharam um bom dinheiro intermediando a venda de indústrias nacionais a estrangeiros, passaram a considerar que a situação estava ultrapassando o limite do aceitável. Os banqueiros puseram em campo seus porta-vozes para explicar que banco é diferente de supermercado, fábrica de autopeças, ou de siderúrgica. Segundo eles, bancos são estratégicos para o país e, por isso, o mercado local deve ser protegido.


Os que se colocavam contra a abertura tratam as instituições financeiras nacionais como se fossem indefesas, quando não é bem assim. Os maiores bancos privados do país são fortes, controlam grande parte do mercado e estão em condições de competir com quem quer que seja. O fato de serem nacionais também não faz deles defensores da pátria. Isso porque, como os bancos estrangeiros, eles estão atrás de lucro e não na defesa de interesses nacionais. No corre-corre da desvalorização do real, no início do ano de 1999, os bancos locais estiveram entre os que mais lucraram no mercado de câmbio, apostando contra o real.


Um balanço dos últimos anos tem mostrado que o Brasil tem se saído muito bem na disputa de investimentos estrangeiros. Um estudo mostra que o fluxo de investimentos diretos cresceu 68% em um período muito curto. Em 1997 esse investimento foi de US$ 15 bilhões; em 1998, foi de US$ 29 bilhões, e em 1999 foi de US$ 31 bilhões de dólares.
 


A OPINIÃO DE HENRIQUE SIMONSEN

Segundo Simonsen, a conclusão de que as multinacionais não devem ser tão diabólicas como alardeia a esquerda brasileira decorre de alguns conceitos errados e interpretações capciosas acerca do papel dessas multinacionais. Segundo o economista, o conceito atrasado e ultrapassado das esquerdas brasileiras é de que, para o país, é preferível o capital estrangeiro, de empréstimo, ao capital estrangeiro de risco. Isso propicia uma discussão e atitudes deformadas e, às vezes ignorantes, por parte de uma minoria que faz muito barulho e que, algumas vezes, consegue influir nas decisões governamentais. O capital estrangeiro de risco, sob a forma de empresas multinacionais, que se instalam no país, ou que adquirem empresas estatais deficientes e as transformam em empresas rentáveis é encarado, usualmente, pelos nacionalistas xenófobos, como uma ameaça à autonomia do país.


Ainda segundo Simonsen, o que desejam as multinacionais é óbvio: diversificar geograficamente as suas operações de modo a reduzir seus custos e riscos, e assim, remunerar melhor os seus acionistas. A ideia de que elas abalam o poder do governo nacional, transferindo os centros de decisão para o exterior, para o país de origem de suas sedes centrais, decorre de uma confusão conceitual entre capitalismo de estado e capitalismo privado. Uma Sony ou Ford ou General Motors, assim como uma Roche, Novartis ou Smith Kline Beecham não são controladas por nenhum governo. Na realidade, algumas delas nem possuem acionista controlador porque seu capital está disperso por uma multidão de pequenos, médios e grandes acionistas. Seus dirigentes, para se manter nos cargos, tratam de defender os interesses de seus acionistas e não os interesses do governo americano, japonês, suíço, ou de qualquer outro. O mesmo fazem as empresas privadas nacionais brasileiras, que defendem os interesses de seus donos e não do governo, ou de partidos políticos ou de sindicatos. Essa mesma confusão resultou, no Brasil, em uma enrustida e confusa definição de empresa nacional, em função da residência dos donos. Como se fosse importante para o país onde o capitalista mora e não onde investe o seu capital, onde gera emprego e onde paga impostos. Esse raciocínio vale tanto para o capitalista nacional quanto para o estrangeiro e tanto para empresa nacional quanto a multinacional.


No que tange à ideia de que as multinacionais somente viriam ao Brasil para aproveitar a mão de obra barata, ela é absolutamente verdadeira e também óbvia. Nenhuma multinacional é instituição de caridade e não teria nenhum interesse em investir no Brasil se os salários aqui fossem mais altos que nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão. A desinformação ai se refere ao fato de que a disputa por mão de obra barata gera empregos e que a criação de empregos, por sua vez, pode tornar a mão de obra menos barata. É isso o que realmente interessa e o que acontecia, frequentemente, no Brasil, onde as multinacionais existentes pagavam a seus empregados cerca de 40% a mais que as empresas nacionais, seja estatais, seja privadas. O trabalhador brasileiro, como o de qualquer outro país, não tem muito interesse em saber se o controle da empresa pertence a alemães, americanos ou japoneses. O que realmente interessa ao trabalhador de qualquer nacionalidade é o quanto ele ganha e como ele é tratado pela empresa, seja nacional ou multinacional.


Segundo Simonsen, no Brasil, a esquerda e a direita, frequentemente, se unem contra o “inimigo comum” que seria o capital estrangeiro. Alguns exemplos ilustram essa união: um episódio clássico foi o bloqueio do projeto da American Can Company de produzir latas no Brasil, durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek. A esquerda se encarregou de fazer o barulho, a direita continuou com o privilégio de produzir latas mais caras e de pior qualidade e o consumidor pagou a conta. Nesse episódio, a esquerda era representada por partidos e sindicatos de trabalhadores e exorcizava as empresas estrangeiras que viriam explorar a mão de obra barata e sangrar o nosso balanço de pagamentos com as remessas de lucros para o exterior. De outro lado, a direita era representada pela Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) cujos associados temiam que os seus lucros pudessem ser abalados pela concorrência dos estrangeiros, capazes de produzir latas melhores.


Um exemplo concreto mais recente, mencionado por Roberto Campos, já na década de 80, refere-se à reserva de mercado de informática: a esquerda fez o barulho, algumas empresas nacionais cartoriais, protegidas e subsidiadas, aumentaram seus lucros fabricando computadores de má qualidade e o consumidor pagou a conta, recebendo produtos de qualidade inferior e muito mais caros que os do mercado internacional. Esse mesmo consumidor vingou-se da situação contrabandeando computadores, impressoras e “scanners” do exterior, mais baratos e melhores que os nacionais. O país deixou de recolher impostos e perdeu-se a chance de desenvolvimento tecnológico e de treinamento de mão de obra especializada.



A FILOSOFIA DAS MULTINACIONAIS

O objetivo desse texto não é discutir a política econômica e as privatizações de instituições. A sua meta principal, como já foi dito no início do capítulo é a de esclarecer, para aqueles que não são versados em economia, o que são multinacionais e transnacionais, quais são algumas de suas características e, por fim, que grande parte das indústrias farmacêuticas existentes no Brasil, representadas pela Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica (ABIFARMA), e pela Associação da Indústria Farmacêutica no Brasil (INTERFARMA), é constituída por multinacionais e transnacionais, com todas as características das multinacionais em geral. O fato dessas empresas produzirem medicamentos e não helicópteros, automóveis, computadores, geladeiras e refrigerantes não as torna diferentes. A meta de todas elas é produzir lucros para seus acionistas e ordenados elevados para seus diretores e executivos.


Também desejamos chamar a atenção de que está para ser provado que empresas nacionais e, em particular, a indústria farmacêutica nacional, tem metas diferentes, entre as quais a de produzir medicamentos baratos para a população, reduzindo os lucros de seus donos e os ordenados de seus diretores. Isso não é verdade já que o empresário, em um regime capitalista. é por definição, um maximizador de lucros, isto é, trata-se de um egoísta e egocêntrico que sempre almeja o lucro máximo, como sabe qualquer economista ou mesmo qualquer estudioso do comportamento humano.


Por fim, desejamos mencionar que, no caso de grandes empresas multinacionais, existem certas regras de sobrevivência que devem ser cumpridas. Uma dessas regras é o conceito de que a lucratividade dessas empresas costuma ser proporcional ao seu tamanho. No caso das empresas automobilísticas, por exemplo, já existe um consenso mundial de que, para que uma indústria automobilística seja competitiva, é necessário que comercialize, em todo o mundo, em torno de 5 milhões de unidades por ano. Parece uma cifra impressionante. Entretanto, todas as empresas são que não produzem um mínimo anual, que as torne suficientemente competitivas e lucrativas no plano internacional fecharam. É o que ocorreu com as marcas inglesas Bentley e Rolls-Royce, as italianas Lamborghini e Bugatti e a alemã Audi, todas absorvidas pela Volkswagen.


Um raciocínio análogo pode ser aplicado à produção de computadores, televisores, geladeiras e medicamentos. É por isso que se observam fusões frequentes em todas as áreas. A meta dessas fusões é reduzir os custos e aumentar os lucros. Esse raciocínio é válido para qualquer área e também para a área de medicamentos, setor que exige um investimento continuado em pesquisa e inovação, que possa garantir a competitividade e a sobrevivência de seus produtos ao longo do tempo.


Os governos de alguns países em desenvolvimento e as esquerdas desses países acreditam que os medicamentos não são artigos comuns e que o acesso a eles faz parte dos direitos básicos da sociedade e, principalmente, das classes menos favorecidas dessa sociedade. A indústria farmacêutica multinacional não pensa dessa forma e comporta-se como se os medicamentos fossem produtos idênticos a eletrodomésticos, computadores e refrigerantes. Esse comportamento não é muito diferente dos grandes produtores e exportadores nacionais de soja, carne bovina, frangos e café, que se interessam pelos mercados bem pagantes como Canadá, Estados Unidos da América, Israel, Kuwait e o mercado Comum Europeu. O fornecimento de alimentos baratos, para crianças esfomeadas da Etiópia, Benin, Bangladesh não faz parte dos planos de grandes produtores nacionais como a Sadia e Perdigão, assim como o fornecimento de medicamentos baratos para países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos da África, América e Ásia não faz parte da política das indústrias farmacêuticas multinacionais. Este é um dos aspectos perversos do nosso mundo globalizado.


Constatamos que no transcurso das duas últimas décadas, em alguns países em desenvolvimento observa-se uma atitude cada vez menos hostil em relação as multinacionais em geral. Por outro lado, esse fenômeno não ocorre em relação às multinacionais farmacêuticas que costumam ser tratadas com crescente hostilidade pelos governos, pela imprensa e pela comunidade em geral desses mesmos países. Parece que esse fato ocorre como consequência da própria conceituação do que seja um medicamento, para as partes envolvidas.


Para a indústria farmacêutica o medicamento é um produto industrializado, como qualquer outro, e portanto, deve ser produzido e vendido com o propósito de gerar um máximo de lucro para a empresa que o produz.


Para os governos e para os órgãos assistenciais, o medicamento é considerado, erroneamente, como um instrumento importante para promover a saúde da população e, portanto, deve ser barato.


Esses dois pontos de vista divergentes e irreconciliáveis configuram um óbvio conflito de interesses que nunca foi resolvido, satisfatoriamente, em nenhum país do mundo desenvolvido, em desenvolvimento ou subdesenvolvido. Esse conflito pode apenas ser atenuado através de adoção de algumas medidas inteligentes, o que já ocorreu em alguns países desenvolvidos.


Destacamos aqui que medicamentos em si, não devem ser considerados como os principais responsáveis pela saúde da população, como desejam fazer crer a própria indústria farmacêutica, os governantes e alguns políticos desinformados e demagogos de países em desenvolvimento. O número de medicamentos verdadeiramente curativos é muito pequeno. A maior parte dos medicamentos existentes consiste de drogas que são apenas paliativas, sintomáticas e placebos e o seu papel na equação saúde é muito pequeno. Saúde, como todos deveriam saber, é consequência direta de educação, alimentação, moradia e saneamento básico. Em outras palavras: escola, casa, comida, água limpa e esgoto.

 

 

FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:

 

  • Campos, Roberto. A lanterna na popa. Top Books, pg. 1417, Rio de Janeiro, 1994

  • Paprocki, J. O faz de conta da chamada Lei dos Medicamentos Genéricos. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, Ano IV,  Nº 12, abril de 2000

  • Paprocki, J. A indústria farmacêutica multinacional. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Ano lV, nº 15, B. Horizonte, abril de 2001

  • Paprocki, J. Drogas, fármacos, medicamentos, remédios e suas classificações. Jornal Mineiro de Psiquiatria, Belo Horizonte – MG, Ano VI , Nº17, maio de 2002

  • Quem tem medo dos estrangeiros (Reportagem). Veja, Ed. 1632, 19 janeiro 2000. Editora Abril - São Paulo

  • Simonsen, Henrique. O risco de optar pelo atraso (Reportagem). Veja, Ed. 9971, 04 abril 1987. Editora Abril - São Paulo

  • Triste retrocesso (Reportagem). Veja, Ed. 1667, 20 setembro 2000. Editora Abril – São Paulo


 

 

 

Blog Jorge Paprocki - Em operação desde Outubro/2014

bottom of page