
J o r g e P a p r o c k i - Psiquiatra
MEDICINA
A SAGA DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
A LEI 793/93 NO GOVERNO DO PRESIDENTE ITAMAR FRANCO
Postado em 11 de maio de 2015
RESUMO
O capítulo trata de alguns aspectos do Decreto 793/93, de como a mesma nunca foi respeitada e das possíveis razões de seu fracasso.
INTRODUÇÃO
A meta principal do Decreto 793/93 era a possibilidade de diminuir o custo dos medicamentos. Esta lei permitia ao farmacêutico fornecer ao usuário um medicamento similar, de menor preço, para substituir o medicamento de marca prescrito pelo médico. Esses medicamentos de menor preço eram constituídos, na época, por medicamentos chamados similares, produzidos por indústrias nacionais, com matéria prima, frequentemente, de origem duvidosa e controle de qualidade precário, realizado pela Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS). Na realidade, tratava-se de medicamentos clonados ou pirateados, fabricados de acordo com a legislação brasileira que não reconhecia as patentes de produtos e de processos de fabricação, vigentes no plano internacional. O Ministro da Saúde da época, Henrique Santillo, salientava que o Decreto 793 aumentaria a competição entre os laboratórios e reduziria os preços dos medicamentos. Na época, o Ministro da Saúde dizia, em tom belicoso, de cruzada contra a indústria farmacêutica multinacional, que “se os médicos mudarem seus hábitos, implantados em suas cabeças por anos a fio, pelas indústrias multinacionais e cooperarem com a lei, seremos vitoriosos”. O Ministro referia-se, presumivelmente, ao hábito de prescrição de medicamentos usando apenas o nome comercial ou de marca, que era um hábito mundial e não apenas brasileiro. O ser vitorioso significava, na época, subjugar a indústria farmacêutica multinacional aos interesses nacionais, coisa que nunca ocorreu, mesmo em países ricos e industrializados do primeiro mundo.
A LEI E AS RAZÕES DE SEU FRACASSO
Os pontos chaves da Lei 793/93 eram: a obrigatoriedade do uso do nome genérico, ao lado do nome comercial, no rótulo da embagam; a obrigatoriedade de aviar somente as receitas que contivessem o nome genérico junto com o nome comercial; a obrigatoriedade da presença de um farmacêutico responsável nas farmácias; a permissão para o farmacêutico trocar a prescrição do médico, por medicamentos similares, de menor preço.
Quanto à obrigatoriedade do nome genérico impresso em destaque na embalagem, a medida foi postergada, por mais de uma década, por liminares impetradas na justiça, em torno de discussão de filigranas quanto ao espaço a ser ocupado e ao tamanho das letras, isto é, se o nome genérico deveria ocupar 30% ou 50% do espaço do nome de marca original.
Quanto à obrigatoriedade de aviar apenas as receitas que contivessem o nome genérico, todos sabemos que as farmácias continuaram e continuam vendendo medicamentos com receitas nas quais constava apenas o nome comercial e, mais frequentemente, sem receita alguma. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) perto de 75% dos medicamentos no Brasil, eram vendidos sem prescrição médica.
O Jornal do Conselho Federal de Medicina (CFM), de dezembro de 1993 informava que, quando foram derrubadas, na justiça, as liminares que obrigavam os laboratórios farmacêuticos a cumprirem o decreto que determinava o uso do nome genérico da substância ativa, em lugar do nome de fantasia ou comercial, os fabricantes ameaçaram boicotar os estoques, das farmácias numa clara atitude de confrontação com a lei e com o governo. Uma decisão ocorrida no dia 9 de novembro de 1993, exigia que todos os produtos fabricados, a partir daquela data, ostentassem na embalagem o nome genérico, em destaque. O Ministro da Saúde, Henrique Santillo determinou à Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS), inspeções de rotina, para averiguar o cumprimento do decreto e considerou absurda e impatriótica a ameaça dos laboratórios de não cumprir a lei. Prometeu importar medicamentos básicos através de entidades como a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o que, não apenas abasteceria o mercado, como faria cair o preço dos medicamentos, caso as empresas insistissem em partir para o confronto.
Na época, o Ministro da Saúde, Henrique Santillo, adotava estratégias conspirativas para combater a indústria farmacêutica, dignas do presidente Itamar Franco. “Se a indústria ameaçar o boicote, eu importo medicamentos estratégicos, com intermediação de entidades internacionais, com os quais já fiz contato”.
Em 1999, seis anos após a promulgação da Lei 793/93, podemos dizer que esta lei nunca foi cumprida. Os nomes genéricos não apareceram em destaque nas embalagens dos medicamentos inovadores ou de marca. Os médicos não passaram a prescrever os medicamentos com os nomes genéricos. Grande parte das farmácias continuou sem farmacêutico responsável. Os preços dos medicamentos em geral não baixaram. Medicamentos estratégicos não foram importados. Não houve apoio de organismos internacionais e não foi dada nenhuma explicação pelo governo para o fracasso de todas essas determinações.
A única medida que foi e continua sendo respeitada e cumprida, com grande eficiência, é o direito de substituição dos medicamentos, na farmácia, por remédios similares mais baratos, frequentemente manufaturados a partir de matérias primas de origem duvidosa ou desconhecida, registrados no Ministério da Saúde através de procedimentos, exclusivamente, burocráticas e sem nenhum controle de qualidade. Esse direito de substituição é exercido, habitualmente, não apenas pelo farmacêutico mas, também, pelo balconista de jaleco, que costumava receber propinas de algumas indústrias e distribuidores, aprimorando cada vez mais a instituição muito antiga da “empurroterapia”. Esse último hábito deu origem aos medicamentos "B.O.", isto é, “bonificados” ou “bons para otários” no jargão farmacêutico e que foi divulgado por um presidente do sindicato das farmácias.
COMENTÁRIOS
Como comentário a esse conjunto de acontecimentos, podemos afirmar que o presidente Itamar Franco, no mínimo, foi muito mal acessorado, por uma equipe que desconhecia alguns fatos relevantes, relacionados com indústria farmacêutica multinacional e sobejamente conhecidos no plano internacional, desde a década de 1970. Esses fatos são os seguintes:
a) No final da década de 1960, em países ricos, desenvolvidos e industrializados, estava claro que o poder de monopólio da indústria farmacêutica multinacional tinha adquirido dimensões inusitadas;
b) Que aqueles países que tentaram legislar no sentido de fazer frente a esse monopólio, na segunda metade dos anos 1970, não foram bem sucedidos. A indústria farmacêutica multinacional mostrou-se imune a pressões governamentais;
c) Medidas contra o abuso de poder econômico, políticas de controle de preços e o não reconhecimento de patentes farmacêuticas, foram sempre ineficazes, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento;
d) Em nenhum país do mundo, a simples existência de um nome genérico, impresso na embalagem e a obrigatoriedade da prescrição por este nome, nunca mostrou-se eficiente para reduzir o preço dos medicamentos.
Na maior parte dos países, para atenuar o monopólio da indústria farmacêutica multinacional, somente mostrou-se eficaz a política de incentivar a produção de medicamentos genéricos, após o período de vigência da patente dos medicamentos inovadores originais ou de marca. O êxito dessa medida dependia, em grande parte, da existência de indústrias nacionais idôneas e de um serviço de vigilância sanitária competente e confiável. Como vimos no capítulo anterior, a Secretaria de Vigilância Sanitária (SVS) da época não tinha essas características.
Esses fatos, associados a uma atitude truculenta do governo em relação aos médicos, uma falta de habilidade para negociar com a indústria farmacêutica, um nacionalismo anacrônico e um aparente desconhecimento das medidas que se mostraram eficazes em outros países, desde 1984 na implantação de genéricos, levaram ao insucesso da lei 973/93.
Situações como as descritas provocaram queixas por parte das indústrias farmacêuticas multinacionais, nos países do terceiro mundo em geral e, também, em alguns países da América Latina. Essas queixas referiam-se, principalmente, a um tratamento arrogante e truculento, a dificuldade para negociar, a um controle irracional de preços, à restrições de importações de insumos e, às vezes, até pressões de suborno por parte de alguns órgãos governamentais. Essas queixas, às vezes, levaram algumas indústrias multinacionais a não operar mais em certos países. Foi o que ocorreu, na época, com a Lilly, que deixou de operar no Chile e na Argentina. A Squibb, que deixou de operar no Brasil e no Chile. A Smith-Kline e a Upjohn que deixaram de operar na Argentina e a Lederle, que deixou de operar na Argentina, Brasil, Colômbia e Venezuela. A explicação, de um modo geral, era a de que o lucro que a empresa obtinha, nesses países, não compensava os vexames das humilhações e das frustrações a que as empresas eram submetidas.
FONTES CONSULTADAS E LEITURA RECOMENDADA:
-
Silvermann, M.; Lydecker, M.; Lee, P.R. Bad Medicine – The Prescription Drug Industry in The Third World Ed. Stanford University Press, Stanford-California 1992
-
Zanini, A. C. Falsificação, Má Qualidade, Informação Enganosa. Médicos FM-USP, São Paulo – SP, Ano 1, Nº 4, set/out 1998
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